POR QUE ELES NÃO DANÇARAM OS BLUES? – WANDA CRISTINA
 
Acabo de ler “Os blues que não dançamos”, do escritor maranhense Franck Santos. Leitura prazerosa. Um romance intimista, que põe no divã o relacionamento homoafetivo, sob o esteio de uma relação de amor virtual. É um texto que faz um brinde à solidão, na parafernália da era digital. Seguindo a trilha dos textos literários contemporâneos, ele é híbrido: uma mistura de prosa e poesia. Por vezes, são contos que se transformam em capítulos de romance; outras vezes, os contos são poesias que se entrelaçam em poemas em prosa, muitos dos quais extraídos de outro universo paralelo do poeta, como de “Os Mapas sinalizam ilhas submersas”, a exemplo de “estarei nessa cidade de casarões em ruínas, águas, conchas, sal e sol...” (p. 57).
 
Duas partes do livro servem de ponte ao monólogo/diálogo entre os amantes Bento e Pedro: o antes e o depois. Eu diria até que o antes é o monólogo de Bento; o depois, o de Pedro. O leitor clama por uma terceira parte: o durante que não acontece por causa do desencontro que se estabelece em razão da morte. E é isso que dá beleza à narrativa: a falta do durante. Enquanto o antes é um espaço temporal em que o personagem-narrador, Bento, confidencia a sua paixão pelo outro, movido pela erma solidão, no espaço discursivo do solilóquio, o depois é o caminho percorrido pelo interlocutor, Pedro, que só consegue mostrar-se verdadeiramente depois de morto, desnudando-se dos vazios deixados pela mídia digital, nas entradas e saídas de seus e-mails.
 
Os amantes marcaram um encontro em Pirenópolis (GO), mas Pedro faltou. Paradoxalmente, depois de tantos desencontros, inclusive nas caixas de e-mail, ali estavam os dois, no encontro presencial, palpável, da carta e de um livro com o seu destinatário, desentrelaçando as amarras que os fincavam na era digital, para priorizar ferramentas de comunicação tão longevas e remotas e – como diria Fernando Pessoa – ridículas, como as cartas de amor. O encontro foi a confissão de um amante póstumo que sofrera de morrer, no enfrentamento da aids e dos preconceitos a que estivera exposto por causa da soropositividade.

Não bastasse o desafio de se escolherem um ao outro, iguais em gêneros e solidão, dentro de uma sociedade preconceituosa, os amantes também se descobrem no silêncio amargo dos dissabores, mas dividindo, ainda que distantes, os mesmo sabores da festividade que lhes causavam os repertórios de filmes, livros, intérpretes, músicas. E o encontro presencial dos dois amantes que nunca aconteceu tinha uma trilha sonora composta de blues que eles nunca puderam dançar. Eis a resenha do livro. Mas não é aí que ocorre o descerramento do enredo. Há algo transbordante no clímax da narrativa que contagia: a cremação da carta, como se ela fosse a metáfora da cerimônia que cremou o corpo do amado Pedro com todos os seus segredos, cujas cinzas, num ritual de amor e de respeito à vontade do morto, foram jogadas ao mar.

Na terceira parte do livro - epílogo - Bento retoma sua vida.
 
No Posfácio, o olhar literário e brilhante da poeta e prosadora Lindevânia Martins debruça-se sobre o convite de Franck Santos para mais um blues, canção triste, melancólica que faz jus a todo e qualquer amante que aprende a ser só.
Wanda Cunha
Enviado por Wanda Cunha em 24/06/2020
Reeditado em 24/06/2020
Código do texto: T6986800
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