Maya Angelou: Eu sei por que o pássaro canta na gaiola
Eu sei por que o pássaro canta na gaiola é um livro de muitas dores, desconfortos e um misto de emoções permeado, também, por humor. Não há outra forma, é impossível ler esse livro e não sair metamorfoseado.
Maya Angelou ou Marguerite Ann Johnson, nasceu em 4 de abril de 1928, e em razão da separação de seus pais, ela e seu irmão, Bailey, foram morar com a avó paterna, Annie Henderson. A qual foi uma fonte de inspiração por sua força e independência. No entanto, Maya aprendeu, desde muito cedo, como o mundo poderia ser cruel, espumado por violência, pobreza, machismo e racismo.
O livro passa por nuances, começa muito pesado e doloroso. Aos oito anos, Maya foi violentada pelo namorado de sua mãe. Ler sobre abuso sexual e de uma criança, doe muito. Somos invadidos por um sentimento de impotência. Ninguém, mas principalmente uma criança, não deveria passar por isso. Nunca.
E nessa mesma toada, acompanhamos o quão doloroso é o racismo. A segregação racial é um capítulo abominável na história da humanidade e se ter conhecimento pelos olhos de uma criança é ainda mais triste. Desde pequena, Maya, percebeu o que significava ser preta em uma sociedade racista. “As crianças brancas teriam a oportunidade de se tornar Galileus, Madames Curie, Edisons e Gauguins, e nossos meninos (as meninas não eram sequer mencionadas) tentariam ser Jesses Owens e Joes Louis. (…) Era horrível ser negra e não ter nenhum controle sobre a minha vida. Era brutal ser jovem e já treinada a ficar sentada em silêncio e escutar acusações feitas contra minha cor sem nenhuma chance de defesa.” (p. 167 e 169). E, infelizmente, até hoje ouvimos e vemos cenas de racismos, mesmo estando no século XXI, quando já se tem naves de turismo espacial em testes. Sempre me pergunto, será que evoluímos mesmo?
Pedras no caminho? Junte-as e construa um castelo. Foi durante o período de seu silêncio que a pequena Maya desenvolveu uma memória extraordinária, o amor pelos livros e pela literatura e a grande habilidade de observar e escutar o mundo que a rodeava. Ela aprendeu encantar com sua imaginação e sua inteligência.
E então, a Doutora Maya é fantástica, ela te faz rir. Há uma passagem no livro sobre uma história de terror relatada pelo vizinho. Durante as lamurias de assombração, a sua avó pede para a pequena ir buscar algo em outro cômodo, e você consegue pensar, no auge dos relatos todo aquele suspense e medo mesmo e a brava garota tendo que enfrentar o tal deslocamento? “A viagem até a cozinha e de volta não pode ter levado mais de dois minutos, porém nesse período eu percorri cemitérios pantanosos, passei por cima de pedras tumulares empoeiradas e esquivei-me de ninhadas de filhotes de gatos pretos como a noite.” (p. 156).
E também te faz sentir corajosa. A brava Maya dirigiu um carro do México para os Estados Unidos, sem saber dirigir, ademais, com trajetos de montanha abaixo. Não é para qualquer um. Não que seja incentivado dirigir sem carteira, por favor, se atentando que a situação de Maya foi há muito tempo, mas pelo ímpeto mesmo, pela bravura, coragem.
E para enaltecer ainda mais essa mulher extraordinária, Maya Angelou foi a primeira preta a se tornar roteirista e diretora em Hollywood. Uma artista polivalente, fez teatro, cinema, televisão, dança. Autora de livros de memórias e assessora de presidentes, brandiu a poesia como arma de luta. Maya Angelou foi uma gênia, ativista, poeta e mulher revolucionária.
A referência de Angelou para o título do livro baseou-se no poema “Sympathy”, de Paul Laurence Dunbar. A metáfora do pássaro engaiolado que cantana gaiola porque está com medo, de pássaros que “cantam sobre a liberdade” por detrás de “grades de raiva”. Ademais, a proposta oferecida pelo livro da Doutora Maya Angelou não se trata apenas de superação, propõe, acima de tudo, uma redefinição dos nossos conceitos aceitando as marcas que a vida nos deixou, usando-as para compor o futuro de forma cônscia.
Maya Angelou faleceu em 28 de maio de 2014. Tinha 86 anos, e mesmo com estado de saúde frágil, que a obrigara a cancelar aparições públicas, ela nunca parou. Na referida data ela estava trabalhando em um novo livro sobre suas experiências com líderes nacionais e mundiais.
Por fim, nas minhas pesquisas sobre a vida de Maya Angelou encontrei um poema belíssimo, publicado em 1978, “Still I Rise” (Ainda assim eu me levanto). É considerado um dos poemas mais influentes, inspirando diversas pessoas. Um verdadeiro hino à resiliência e à dignidade.
"Ainda assim eu me levanto
Você pode me riscar da História
Com mentiras lançadas ao ar.
Pode me jogar contra o chão de terra,
Mas ainda assim, como a poeira, eu vou me levantar.
Minha presença o incomoda?
Por que meu brilho o intimida?
Porque eu caminho como quem possui
Riquezas dignas do grego Midas.
Como a lua e como o sol no céu,
Com a certeza da onda no mar,
Como a esperança emergindo na desgraça,
Assim eu vou me levantar.
Você não queria me ver quebrada?
Cabeça curvada e olhos para o chão?
Ombros caídos como as lágrimas,
Minh’alma enfraquecida pela solidão?
Meu orgulho o ofende?
Tenho certeza que sim
Porque eu rio como quem possui
Ouros escondidos em mim.
Pode me atirar palavras afiadas,
Dilacerar-me com seu olhar,
Você pode me matar em nome do ódio,
Mas ainda assim, como o ar, eu vou me levantar.
Minha sensualidade incomoda?
Será que você se pergunta
Por que eu danço como se tivesse
Um diamante onde as coxas se juntam?
Da favela, da humilhação imposta pela cor
Eu me levanto
De um passado enraizado na dor
Eu me levanto
Sou um oceano negro, profundo na fé,
Crescendo e expandindo-se como a maré.
Deixando para trás noites de terror e atrocidade
Eu me levanto
Em direção a um novo dia de intensa claridade
Eu me levanto
Trazendo comigo o dom de meus antepassados,
Eu carrego o sonho e a esperança do homem escravizado.
E assim, eu me levanto
Eu me levanto
Eu me levanto.".
Angelou, Maya. Eu sei por que o pássaro canta na gaiola; tradução Paula Rosas – Rio de Janeiro: José Olympio, 1996.