Pobres liberais! - de Arthur Azevedo
É este conto de Arthur Azevedo divertidíssimo. Uma comédia impagável de um mestre do humor brasileiro. No tempo do império, como o narrador salienta, um presidente de província, o Doutor Francelino Lopes, em excursão pelo interior, em visita à certa cidade, é recepcionado com pompa e luxo pelos munícipes e potentados locais, que em sua homenagem executam o Hino Nacional num ritmo que não lhe era apropriado à seriedade e tampouco a nobreza do homenageado. Enfim, converteu o povo a visita do Doutor Francelino Lopes em uma festa barulhenta, espalhafatosa. Serviram ao visitante banquete suntuoso repleto de delícias capazes de satisfazer o mais exigente dos paladares. Promoveram um baile durante cujo desenrolar o doutor Francelino Lopes dançou com a Baronesa de Santana, esposa de um rico fazendeiro, chefe do partido proeminente na cidade, e após cujo encerramento ele se recolheu ao quarto a ele destinado onde lhe entregou o bacharel Pinheiro um exemplar de A Opinião Pública, jornal do partido conservador, em cujo corpo constava uma biografia do Doutor Francelino Lopes. Saídos todos do quarto, encontrando-se, neste, só, o Doutor Francelino Lopes pôs-se a ler a matéria, que trazia um retrato seu xilografado, no periódico que à mão lhe pusera o bacharel, até o instante em que uma força da natureza, indomável, invencível, fê-lo interromper a leitura e procurar uma vasilha para cujo interior poderia descarregar o que lhe incomodava as vísceras a ponto de desesperá-lo. E foi à procura de um receptáculo para a carga que lhe feria o intestino. Não a encontrou em nenhum lugar daquele compartimento da casa. Aventou a vontade de solicitar aos seus hospitaleiros e solícitos anfitriões uma vasilha; todavia, tão logo se lhe aflorou tal idéia à mente, abandonou-a. Seria constrangedor um homem de sua posição recorrer à tal artifício. Em seu desespero, decidiu, então, abrir, no chão, o A Opinião Pública, sobre o qual despejaria a matéria que seu organismo acumulara. E assim fez. Obrou, como se diz. Concluída a obra, embrulhando-a com o A Opinião Pública, arremessou-a, pela janela, à rua, e foi, de consciência limpa, banhar-se. Em seguida, dormiu. E o seu sono foi encerrado, de manhã, por turbamulta promovida por uma pequena multidão de pessoas indignadas, dentre elas o bacharel Pinheiro. E foi ver o que ocorria: Haviam encontrado o exemplar de A Opinião Pública, no estado imundo em que o presidente da província, forçado por invencível força da natureza, o deixara.
As linhas que encerram o conto são de humor irresistível.
Toda a cena dos apuros em que o presidente da província (província cujo nome não é mencionado pelo narrador) se viu está num vocabulário discreto, educado, que empresta à narrativa comicidade impagável. Fosse Arthur Azevedo escritor desprovido de talento literário, e narrasse o drama de Francelino Lopes com um vocabulário explícito, o conto perderia o seu – vou assim dizer – charme.
É este conto imperdível.