DENTRO DE UM PEIXE
“E Jonas foi engolido por um grande peixe”, dizia minha avó na ‘ensinança’ ao neto sobre a história do profeta Jonas.
Mas calma! “Dentro de um peixe” é a mais nova obra de Marcos Samuel Costa, e nada tem a ver com Jonas (na verdade, fiquei até na dúvida). Nesse romance, Marcos Samuel nos apresenta uma prosa encharcada de interioridades: rios, igarapés, chuvas, umidades, terra, barco, canoa, plantas, aves, etc.; a natureza é tão viva que possui mais poder de ação do que os reles (aparentemente) seres que animam a vida. Porém, a humanidade protagonizando a natureza que já é/era a “mocinha da história”: “O tempo é uma folha que sangra” (p. 11).
O narrador nos traz (no meu caso, a lembrança do mormaço de depois da sesta entre as árvores no sítio do vovô – finado – no Cucuíra) e leva numa viagem de memórias, lembranças de algo escondido num canto da vida e que, para formar imagem, vem novo. Livro cheio de poesia, de tristezas e de contentamento; metáforas, símiles, sinestesias e hipérboles podem deixar o leitor (desatento) querendo descobrir um mistério, mas que mistério só existe se o leitor for de outros mundos, fora da marajoareidade sinestésica de nosso mundo amazônico. Certas imagens não são para serem visualizadas, todavia a sensação da presença delas já proporciona ao leitor o prazer característico que só pode vir da arte que tem certo valor: o da apreciação estética e o do conhecimento de gente.
Muito interiorano é o vício? Claro que não. Para além da nossa região soam os alarmes da animalidade humana, aqui percebida em certa personagem: cumplicidade (respeito?) na vendagem dos causos - um homem só, vazio (mas cheio de malícias): “Seus dedos verdadeiros candirus a fazer vítimas” (p. 25). Algumas construções quase nos deixam no ar... “A cachaça que era o corpo ressuscitado. Transformava a água em vida” (p.42); essa sobreposição nos dá a entender que o agente da transformação (ilusória) é a aguardente, que (depois dela) é estado de embriaguez que necessita de água para a cura da ressaca.
Uma família de muitos filhos e de sonhos tantos: “peixe escasso do alfabeto que só conhecia o torpor” (p. 42). Uma companheirinha de caminho, de passada (o amor que cresce), a vida, os filhos e o torpor de uma história que precisa de transformação: a “Indesejada das gentes” (como quis Manuel Bandeira em um de seus poemas), a morte da esposa – a “iniludível” que chegou com a febre como a melancolia de dias desapontados.
Talvez o peixe que sai ou se desenha seja o próprio livro nas interioridades (agora não geográficas) de estar e de se perceber num mundo cuja natureza é também esse peixe: “Os pensamentos dos peixes vivificados na carne e penugem” (p.43). Tem também aquele olhar infantil que vê tudo maior ou longe, por estar perto e menor, por um tempo insondável - “Ao longo da viagem já tinha visto pássaros como aquele em cima de árvores, voando longe. Agora ele estava perto de mim” (p. 43) – para se conceber em magia: “virou do tamanho de uma magia” (idem). E veio mais viagem, e outra mulher. E a vida vai continuar? E assim, repito, as águas ditam ao peixe suas correntes, e o peixe, querendo desvendar o mundo da criação, é vencido pelo ciclo proposto na própria gênese do mistério. Enfim, uma aquonarrativa (Paulo Nunes) que, até poderia, porém não quis ser diferente.
RECOMENDO A LEITURA desse romance de Marcos Samuel. Linguagem maravilhosa, temperada a sal, a suor e a ervas do tempo e de nosso espaço.
Mas calma! “Dentro de um peixe” é a mais nova obra de Marcos Samuel Costa, e nada tem a ver com Jonas (na verdade, fiquei até na dúvida). Nesse romance, Marcos Samuel nos apresenta uma prosa encharcada de interioridades: rios, igarapés, chuvas, umidades, terra, barco, canoa, plantas, aves, etc.; a natureza é tão viva que possui mais poder de ação do que os reles (aparentemente) seres que animam a vida. Porém, a humanidade protagonizando a natureza que já é/era a “mocinha da história”: “O tempo é uma folha que sangra” (p. 11).
O narrador nos traz (no meu caso, a lembrança do mormaço de depois da sesta entre as árvores no sítio do vovô – finado – no Cucuíra) e leva numa viagem de memórias, lembranças de algo escondido num canto da vida e que, para formar imagem, vem novo. Livro cheio de poesia, de tristezas e de contentamento; metáforas, símiles, sinestesias e hipérboles podem deixar o leitor (desatento) querendo descobrir um mistério, mas que mistério só existe se o leitor for de outros mundos, fora da marajoareidade sinestésica de nosso mundo amazônico. Certas imagens não são para serem visualizadas, todavia a sensação da presença delas já proporciona ao leitor o prazer característico que só pode vir da arte que tem certo valor: o da apreciação estética e o do conhecimento de gente.
Muito interiorano é o vício? Claro que não. Para além da nossa região soam os alarmes da animalidade humana, aqui percebida em certa personagem: cumplicidade (respeito?) na vendagem dos causos - um homem só, vazio (mas cheio de malícias): “Seus dedos verdadeiros candirus a fazer vítimas” (p. 25). Algumas construções quase nos deixam no ar... “A cachaça que era o corpo ressuscitado. Transformava a água em vida” (p.42); essa sobreposição nos dá a entender que o agente da transformação (ilusória) é a aguardente, que (depois dela) é estado de embriaguez que necessita de água para a cura da ressaca.
Uma família de muitos filhos e de sonhos tantos: “peixe escasso do alfabeto que só conhecia o torpor” (p. 42). Uma companheirinha de caminho, de passada (o amor que cresce), a vida, os filhos e o torpor de uma história que precisa de transformação: a “Indesejada das gentes” (como quis Manuel Bandeira em um de seus poemas), a morte da esposa – a “iniludível” que chegou com a febre como a melancolia de dias desapontados.
Talvez o peixe que sai ou se desenha seja o próprio livro nas interioridades (agora não geográficas) de estar e de se perceber num mundo cuja natureza é também esse peixe: “Os pensamentos dos peixes vivificados na carne e penugem” (p.43). Tem também aquele olhar infantil que vê tudo maior ou longe, por estar perto e menor, por um tempo insondável - “Ao longo da viagem já tinha visto pássaros como aquele em cima de árvores, voando longe. Agora ele estava perto de mim” (p. 43) – para se conceber em magia: “virou do tamanho de uma magia” (idem). E veio mais viagem, e outra mulher. E a vida vai continuar? E assim, repito, as águas ditam ao peixe suas correntes, e o peixe, querendo desvendar o mundo da criação, é vencido pelo ciclo proposto na própria gênese do mistério. Enfim, uma aquonarrativa (Paulo Nunes) que, até poderia, porém não quis ser diferente.
RECOMENDO A LEITURA desse romance de Marcos Samuel. Linguagem maravilhosa, temperada a sal, a suor e a ervas do tempo e de nosso espaço.