PREFÁCIO DO LIVRO EM NOME DO SENHOR

   O título Em nome do Senhor não diz, desde logo, que o texto é romance policial.

   Pio Furtado inicia a narrativa com dois longos parágrafos, pura descrição da personagem sacerdote, com suas impressões pessoais sobre a cidade e sobre as confissões que ouve diariamente.

   A história é conduzida por narrador onisciente, tudo sabe e tudo vê, no passado e no presente e, se quisesse, também no futuro. E desde o início presenteia-nos com um rodízio de personagens que frequentam mesmas frases, num estilo muito difícil para um escritor, mas que Pio Furtado logra sucesso. Seus parágrafos são, como regra, longos e isso exige do leitor paciência e atenção, porque a quantidade de informações é como uma cachoeira.

   O tema é interessante e desperta a curiosidade: a justiça por mão própria pelo confessor que busca a reparação para as vítimas que choram no confessionário. Lembrei um conto que escrevi há muitos anos, sob o título Oferta Especial, onde os pais de dois jovens, um assassinado e outro sobrevivente de um assalto para roubar tênis, e o que eles fazem por conta própria.

   Surge o antagonista, um promotor de justiça, noivo de parente do sacerdote que desconfia do padre como autor dos crimes na paróquia.

   No romance policial existem dois segredos de escritura que, não sendo bem-sucedidos, o Autor não logra sucesso: os anticlímaxes, o clímax e o(s) ponto(s) de virada. O anticlímax, como o termo sugere, brinca com o leitor, parece ser o clímax, o momento maior do conflito, mas que é desfeito a seguir; e podem ser vários anticlímaxes. Mas clímax, o momento maior, é só um, e deve ser bem-posto ao final do texto. E Pio Furtado sai-se bem na empreitada.

   O ponto de virada, que podem ser vários, mas não muitos; talvez dois ou três; é o pontapé na cadeira para derrubar o leitor. A narrativa está sendo conduzida para uma direção e altera seu rumo. Há um ponto de virada neste livro e não me detenho neste ponto para não subtrair ao leitor o prazer do texto. Poderia dizer algo sobre a verossimilhança, muito presente no romance policial, mas que, sendo esse gênero literário, permite discutir-se sua qualidade ou intensidade. Veremos o que resultará no espírito do leitor ao deparar-se com o ponto de virada nesta obra. Que é, basicamente, o único.

   O romance, como narrativa longa, é desafio para o escritor. Romance policial é desafio mais instigante, o Autor está sempre sobre o fio da navalha, um escorregão e põe tudo a perder. Friedrich Dürrenmatt escreveu A promessa com a vontade de criticar o gênero, é o que dizem. O seu personagem-narrador afirma, a certa altura: “Para ser sincero, nuca tive os romances policiais em alta conta e sinto muito que o senhor também os escreva. Perda de tempo. Vocês constroem ações de um jeito lógico, e tudo segue como um jogo de xadrez, aqui o criminoso, aqui a vítima, aqui o cúmplice, aqui o beneficiário; basta que o detetive conheça as regras e refaça os movimentos, logo ele terá posto o criminoso em xeque, ajudado a justiça a triunfar. Essa ficção me deixa furioso.”

   EM NOME DO SENHOR é para ser saboreado como o vinho, aos goles, bem acomodado. Pio Furtado sabe escrever. O mais cabe à recepção do leitor.
 
José Carlos Rolhano Laitano
Cadeira nº 27 da Academia Rio-Grandense de Letras.
Pio Furtado
Enviado por Pio Furtado em 22/05/2020
Reeditado em 22/05/2020
Código do texto: T6955185
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