LITERATURA FLUMINENSE II
“CAFÉ PARIS
Histórica Roda Literária do Café Paris
ainda é desconhecida para boa parte dos niteroienses.
Por Alexandre Brasil
Niterói significa “águas escondidas” em tupi, mas, infelizmente, a água não é a única que deve ser citada como oculta na nossa cidade. Muitas estórias importantes dessa terra, que correm o perigo de ficar passado, são desconhecidas por grande parte da população pelo simples fato de não serem divulgadas e cultuadas. Poucos sabem, por exemplo, que na Avenida Visconde de Rio Branco, em frente à estação de Barcas, existia um estabelecimento chamado Café Paris. E que neste lugar, no início do século passado, poetas, escritores, jornalistas e teatrólogos da cidade se reuniam para fazer poesia e viver na boemia.
A Roda Literária do Café Paris teve seu auge nas décadas de 1910 e 1920, onde nomes como Luiz Antônio Gondim Leitão (mais conhecido como Lili Leitãa), Luiz de Gonzaga, João da PONTE (Nestor Tangerini0, Olavo Bastos, Gomes Filho, entre outros, frequentavam o restaurante no Centro da então Capital do Estado. E o que predominava nessa “roda” era a poesia satírica na qual as “vitrinas” eram, principalmente, os próprios companheiros de verse copo.
Entre fumaças de cigarros, xícaras de café e copos de cachaça, o jornalista e teatrólogo Luiz Leitão liderava a poesia no Café Paris. Lyad de Almeida m seu livro “Lili Leitão, o Café Paris e a vida boêmia de Niterói& Niterói, poesia e saudade”, diz que o professor Nestor Tangerini, forte em sintaxe – especialmente em colocação de vírgulas -, sempre tirava as dúvidas gramaticais dos amigos. Eis que Lili Leitão, seu amigo mais próximo, fazer-lhe uma trova:
“Caro amigo Tangerina,
tu que és mestre em virgular,
por que não vai habitar
o morro da Virgulina?”
Era por esse bom humor que o ambiente do Café Paris se destacava. Boêmio e improvisador nato, Leitão lançou a moda dos epitáfios que o “parisiense” Brasil dos Reis lembrou, em entrevista ao jornalista Emmanuel Macedo Soares, para o jornal O Fluminense, em 1974 – um deles foi dedicado a Olavo Bastos, que era o que se chama de “bom de copo”:
“Quando morreu Olavinho,
os vermes – ai, de quem morre!.
com bafo de tanto vinho,
ficaram todos de porre”.
O Café Paris era um espaço muito popular no início do século XX. A historiadora niteroiense Nani Rodrigues lembra de uma característica interessante do lugar:
O ‘Café’ reunia um grupo bastante variado de intelectuais da cidade. Desde pessoas com alto poder aquisitivo, até os os mais humildes. O que todos deveriam ter como regra era a boemia e o amor pelas letras”, salientou.
Para o colecionador Nelson Tangerini, filho do João da Ponte (Nestor Tangerini), é difícil comparar o os “parisienses” com algum outro movimento:
“Foi na mesma época dos modernistas de 1922, mas era diferente, até porque os rapazes de Niterói não tiveram um empresário para banca-los” disse Nelson, que completou: “Acho o Café Paris de suma importância para Niterói. Foi o maior movimento literário de nosso Estado. Merecia melhor tratamento por parte dos intelectuais da cidade.
Muita coisa ainda circula na mão de colecionadores – entre eles, Carlos Mônaco e eu. Esse material devia resgatado, ir para uma entidade séria, talvez a UFF, para tornar-se livro e ser levado para as escolas e universidades”.
Outro que acentuou a grandeza do movimento literário foi João Luiz de Souza, o João do Corujão. Responsável pelo Corujão da Poesia – evento que dá espaço à arte do verso -, João compara as duas rodas:
“Existe semelhança, mas o Café Paris era mais amplo, era uma casa destinada ao evento, enquanto o ‘o Corujão’ é periódico. Porém, o espírito é o mesmo. Conversar, trocar ideias e destacar as poesias clássicas, autorais e em conjunto”, comentou.
O Corujão da Poesia é um dos poucos movimentos culturais que ainda resgata a Roda do Café Paris, recitando poesias.
“É uma inspiração. Infelizmente, não é celebrado como deveria. A nossa missão é disseminar o Café Paris. Acredito que Niterói poderia reconstituir aquele ambiente”, falou João.
Porém, nem tudo é esquecimento quando tratamos desse lugar especial para a poesia. Em 2014, a Prefeitura deNiterói publicou, por meio de sua editora, Niterói Livros, e em parceria com a editora Novas Ideias, a obra “Café Paris: os precursores”, de Maria José da Silva Fernandes e Emílio Maciel Eigenheer, que relaciona dez escritores que refletem uma faceta pouco conhecida, mas não menos importantes do famoso Café.
O Café Paris chegou ao fim na década de 1940. Com a necessidade da abertura da Avenida Amaral Peixoto, muitas casas comerciais tiveram que ser demolidas. E o local que abrigou um dos grandes movimentos culturais do Brasil não foi exceção. Porém, cada vez que resgatamos essa estória, o Café Paris, com toda a sua poesia, volta a existir”
Do jornal Folha de Niterói,
in Cidade / Cultura,
Niterói, RJ, 20 de novembro de 2018.
Texto revisado e incluído no livro Antologia do Café Paris,
de Nelson Marzullo Tangerini.