LITERATURA FLUMINENSE
O SONETISTA SATÍRICO DO CAFÉ PARIS
LIVRO RESGATA A OBRA E A HISTÓRIA DO POETA LUIZ LEITÃO
Uelinton Farias Alves
A vida apertada de Luiz Leitão se transformou em versos humorísticos de belíssima qualidade. A segunda edição de seu raríssimo livro – Vida apertada: sonetos humorísticos, oportunamente organizada por Roberto Saraiva Kahlmeyer-Mertens – cuja primeira edição é de 1926, traz à baila a figura sem par de um dos poetas mais criativos do grupo que se reunia no lendário Café Paris, na antiga Niterói do início do século 20. Da roda, segundo Luís Antônio Pimentel, faziam parte Gomes Filho, Brazil dos Reis, Luiz Gonzaga e Nestor Tangerini, este último também muito conceituado, por ser, além de poeta “endiabrado”, jornalista e teatrólogo de grande talento, cujas peças teatrais tiveram no elenco, entre outros, astros como Oscarito e Grande Otelo.
No caso de Luiz Leitão (1890-1936), o resgate de sua obra é, ao mesmo tempo, o resgate de uma tradição da literatura brasileira e universal, que são os versos de circunstância que consagraram autores como Artur Azevedo, Emílio de Meneses e Bastos Tigre, para citarmos apenas alguns “imortais”.
Nascido no auge do movimento literário que nos legou o parnasianismo de Olavo Bilac e o simbolismo de Cruz e Sousa, e tendo vivido os tempos agitados da Semana de Arte Moderna de 1922, Luiz Leitão absorveu, na sua Niterói provinciana, sob o influxo da águas da baía de Guanabara, todo o clima gerado pelas correntes literárias migratórias, que percorreram o Brasil de norte a sul, e geraram trabalhos criativos e inspirados.
O Café Paris, reduto boêmio onde a grei se reunia, abarcava as ideias revolucionárias típicas do momento. Sem acesso à grande imprensa, passaram a editores de si mesmos: Luiz Leitão, conhecido pela alcunha de Lili Leitão (“Leitão que nunca há de chegar a porco”), publicava o seu próprio jornal, O Almofadinha, que provocava gargalhadas quando saía, na sua pobre irregularidade. Nestes versos, dizia sobre sua dureza: “Devo, não nego, estou devendo à beça!/ Aos próprios santos, de quem não desdenho,/ A cada um deles, devo uma promessa”. Neste outro, glosa o “Ouvir estrelas...”, de Bilac: “Eu vos direi: 'Gastai para entendê-las/ Pois só quem gasta o burro do dinheiro/ É que pode, de fato, ouvir estrelas'”. Sempre um autor inspirado, Luiz Leitão se sobressaía ao grupo, e era, certamente, o mais experiente escritor entre todos. Seus versos logo corriam das páginas dos jornalecos e livretos para a língua afiada da rapaziada, popularizado seu autor. A fama de poeta alegre, versátil, bom de rima, fez de Luiz Leitão uma espécie de autoridade do verso satírico.
Membro da “academia de letras... protestadas”, como ele mesmo dizia, Luiz Leitão foi um niteroiense atípico. Funcionário público municipal, divide seu tempo entre escrever revistas para o Cinema Éden e suas atividades nos cenáculos que vai fundando.
Ao publicar A vida apertada, no qual reúne seus 32 sonetos humorísticos mais conhecidos, Luiz Leitão está no auge da carreira. Ao falecer, tuberculoso, aos 46 anos, ainda desfruta de grande fama, sendo festejado pelos amigos da roda. Nada mais seria igual sem a sua presença. Até os vermes protestariam, mas satisfeitos. O amigo Nestor Tangerini assim proporia um epitáfio: “Quando ele à cova baixou / pleno de cana e de graça, / um verme aos outros gritou: / – Moçada, temos cachaça”.
A nova publicação do seu livro, importante sobre todos os aspectos, vem acrescentada do fac-símile da edição princeps, de 1926, bem como de fortuna critica, com destaque para os “Extratos miscelânicos sobre Lili Leitão” e “Lili Leitão, poeta e boêmio de Niterói”, de Alberto Valle, além de um curioso glossário. Para a história da literatura niteroiense, revistar Luiz Leitão na republicação de sua obra é, sem qualquer dúvida, uma oportunidade bastante surpreendente.
Suplemento Ideias, Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, RJ, 12.12.2009.
Uelinton Férias Alves hoje assina suas resenhas e seus livros com o pseudônimo Tom Farias.
Corrigindo:
Há que se fazer uma correção no texto acima: Grande Otelo nunca trabalhou em peças de Luiz Leitão.
Texto incluído no livro Antologia do Café Paris,
de Nelson Marzullo Tangerini.