Auto da Compadecida (Ariano Suassuna)
Publicado em 1955, Auto da Compadecida é uma peça teatral que foi encenada em Recife em 1956. Escrita em forma de auto, peça curta de cunho religioso ou profano de forma simbólica, apresenta três atos.
A história se passa no sertão nordestino e possui elementos da literatura de cordel e cordel, misturando questões religiosas coma cultura popular resultando em uma grande comédia.
Além disso, o referido drama de Ariano Suassuna apresenta várias críticas à sociedade, como a traição da mulher do padeiro, a avareza dele e a covardia e mentira representadas por Chicó. Severino e o cabra têm sua história de vida parecida com a de Lampião, que entrou no cangaço depois que a polícia matou seus pais. Quanto à polícia, a peça também critica a covardia dos policiais que fugiram para o lado contrário ao da entrada dos cangaceiros.
Quanto à Igreja, a peça critica o preconceito e a ganância do padre, a venda da bênção do cachorro e enterro em latim em troca de dinheiro (simonia) do bispo além falta de humildade e arrogância.
A personagem principal, João Grilo, além de pobre é aproveitador, faz de tudo para sair no lucro, lembremos que até Diabo ele conseguiu enganar e se livra de ir para o inferno. Antes disso, enganou o padre, o frade, o bispo e o sacristão com a história do testamento do cachorro, bem como envolveu o major Antônio Morais (descendente do Conde dos Arcos, que veio para o Brasil nas caravelas).
João Grilo também tramou a morte da mulher do padeiro (acredito que isso não seja mais spoiler). Caso não se recorde, caro leitor, a bexiga de sangue que foi utilizada por Chicó para enganar Severino estava planejada para ser usada com a mulher do padeiro, pois depois que João Grilo a enganou com o gato que descomia dinheiro, imaginou que ela fosse tirar satisfação quando descobrisse a farsa. O plano de João Grilo era fazer o padeiro dar uma facada nela e depois tocar a gaita, mas Severino apareceu antes o plano foi adaptado para ser usado contra o cangaceiro.
Mas repito, a intenção do Grilo era matar a mulher do padeiro, possivelmente por causa dos três dias que ele passou doente em cima de uma cama e nem um copo de água lhe mandaram.
Uma coisa que não posso deixar passar é o fato de Manuel (Cristo) ser descrito como um “preto retinto”, contrariando a visão europeia que apresentou Cristo loiro e de olhos azuis, mesmo vivendo em uma região de muito sol, mas enfim...
Há quase sete décadas da encenação da peça, as situações de traição, ganância, mentira, e outros, são bem atuais e temos muito a agradecer a Ariano por nos presentear com uma obra desse nível de criticidade com um toque de humor para amenizar as situações apresentadas.