Maus- Um clássico da modernidade
Alguns podem subestimar Maus por se tratar de uma história em quadrinhos, no entanto, vencido o preconceito inicial, se nos entregarmos à obra e a lermos sem certa resistência, podemos perceber quão denso é este trabalho.
A maioria das pessoas, mesmo que não sejam leitores assíduos, conhecem ou já ouviram falar de Anne Frank, mas Maus deveria ter a mesma fama ou, como creio que seja justo, mais fama ainda que O diário.
Nesta obra se alcança o que está escrito na obra Dom Quixote de Cervantes: "o grande fim que se pretende na literatura, que é ensinar e divertir ao mesmo tempo”. Pois durante a leitura é possível se emocionar, sentir raiva, pena, angústia, nojo, adentrar no contexto da época, e até mesmo dar boas risadas.
E é isso mesmo, Maus não só pode e deve ser considerado literatura, mas também alta literatura; entre aquelas obras que entram para o rol dos clássicos.
Um ponto que chama grande atenção e prende o leitor do início ao fim, é a própria história de Vladek, o que por si só já dá um grande enredo para o livro/HQ. Ele viveu anos de tensão, medos, reviravoltas e "aventuras", se é que se pode chamar assim acontecimentos tão trágicos. Mas se Art tivesse apenas contado a história de seu pai de qualquer jeito, essa obra seria assim tão boa, ou seria mais um dos vários relatos de sobreviventes dos horrores da segunda guerra?
O fato é que Art soube trabalhar muito bem o relato de seu pai, e mais que isso, pois, entre as inúmeras formas de se contar essa história, ele, ao escolher trabalhar a linha temporal mesclando o passado vivido pelo pai e o momento em que ele conta sua história, mostra não só do que é capaz o ser humano, mas também como aqueles momentos extremos afetaram para sempre a vida de sua família. Seja no suicídioda mãe, na personalidade do pai, no relacionamento que tinham com o filho morto, e no relacionamento com o próprio Art.
É incrível como Vladek parece quase como um herói na sua juventude durante a guerra, fungindo sempre do pior, ou por sua agilidade e determinação, ou até mesmo por sorte. Porém, ao olharmos o Vladek que conta a própria história, vemos o quanto tudo aquilo o afetou, o tornando frágil e ranzinza, e o quanto ele parece se distanciar do seu passado não apenas em um sentido temporal, mas até mesmo moral.
Enfim, Maus é capaz de trazer à tona diversos temas para debate que vão além de uma mera resenha, como, por exemplo, o preconceito do velho Vladek pelos negros; o relacionamento entre pai e filho; a ética e a moral em situações extremas; o aparente prazer em se praticar o mal mostrado por alguns personagens; dentre vários outros pontos.
Quanto a arte, os traços únicos e o jogo de contrastes que dá ao quadrinho aparência de gravuras, além da grande metáfora de representar diferentes personagens através de certos tipos de animais, dão por si uma unicidade para o livro, fazendo com que ele seja uma obra prima tanto na estética como no conteúdo.
Maus é definitivamemte o tipo de obra que não acaba ao terminar de ser lido, e fica para sempre dentro de nós reverberando e se renovando, como o bom clássico que JÁ É.