O caso dos exploradores das cavernas, de Lon Fuller
O caso dos exploradores das cavernas, de Lon Fuller
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Lon Fuller (1902-1978) foi um professor de direito nos Estados Unidos que foi contratado para lecionar filosofia do direito. Era uma disciplina nova. Nas faculdades de direito nos Estados Unidos, os cursos duram três anos, é uma pós-graduação, apenas se estudam disciplinas práticas. O método utilizado é o chamado método socrático. Os alunos estudam casos da vida real e, a partir dos casos, extraem as regras de direito. Como estudar um caso prático onde não há um caso prático? Simples. Fuller inventou um caso para estudar: O Caso dos Exploradores das Cavernas. Apresentou um problema, uma situação limite, e mostrou como vários juízes decidiriam a questão. Em cada uma das decisões, explicava uma corrente de interpretação do direito.
Vamos ao problema. Em caso localizado no ano de 4300, do qual nos separamos do mesmo modo como nos distanciamos da Grécia Clássica, Fuller nos coloca em face da universalidade dos problemas da Justiça.
O enredo é simples. Cinco membros de uma sociedade espeleológica exploram uma caverna quando alguns deslizamentos de terra vedaram a saída. Não havia como deixarem o local. As autoridades foram comunicadas, novos deslizamentos ocorreram, esgotaram-se recursos da sociedade, de subvenções públicas e legislativas. Dez operários morreram na tentativa de resgate dos exploradores. Mantendo comunicação por rádio os exploradores foram informados que o resgate ainda demoraria cerca de dez dias, caso não ocorressem mais deslizamentos e se tudo corresse bem.
Não havia mais alimentos. Um dos exploradores, sugeriu que se fizesse um sorteio, e que o perdedor fosse devorado pelos demais. O remédio inusitado poderia salvar a vida de parte do grupo. Médicos, autoridades e sacerdotes não se manifestaram em face da consulta que foi encaminhada pelo rádio, um pouco antes que o aparelho deixasse de funcionar, por falta de pilhas. O proponente se arrependeu da proposta. Tiraram a sorte. Ele perdeu. Sua carne salvou a vida dos outros exploradores.
Depois de resgatados e levados para um hospital, onde se recuperam física e psicologicamente, os exploradores foram indiciados por crime de homicídio e em seguida foram condenados à morte pela forca. Pediriam que um tribunal superior revisse o caso. Fizeram também um requerimento para o chefe do poder executivo, que poderia perdoa-los.
O juiz presidente da alta corte manteve a decisão originária, na crença de que o executivo atenderia o pedido de clemência. Entendeu que a decisão originária era sábia e que havia se julgado da melhor maneira possível. É um conservador. Condenou os reús.
O primeiro a votar, era um juiz jusnaturalista extremado. Criticou o presidente do tribunal e afirmou que o que se julgava não era o caso em si, porém, o que estava em jogo era um juízo de valor que se fazia das leis do Estado. Acreditava que se o tribunal condenasse aos exploradores, o tribunal seria condenado pelo senso comum. Absolveu os réus.
O próximo juiz criticou o juiz que absolveu os acusados. Opinou que os criminosos teriam agido intencionalmente. Afirmou que se houvesse dispositivo legal específico relativo ao canibalismo, a questão seria diferente e então ele poderia condenar os réus. Por isso, no entanto, porque não havia lei contra o canibalismo, absteve-se de votar.
O próximo juiz condenou os réus. Como opinião pessoal, enfatizou que os exploradores já haviam sofrido demais e que deveriam ser perdoados. Porém, era uma opinião pessoal e insistia que deveria julgar de acordo com a lei. Não queria discutir o que era justo, injusto, bom ou mau. Deveria definir a correta aplicação da lei, que previa pena de morte para a prática de homicídio. Era um positivista.
O último a votar inocentou os réus. Apelou para uma sabedoria prática que deve ser aplicar à realidade humana. Insistia que o judiciário não poderia perder o contato com o homem comum. A opinião pública queria a liberdade dos réus. Argumentou que a opinião pública deveria ser levada em consideração. Objetiva a aplicação de um senso comum. Era um realista.
Com o empate: duas condenações, duas absolvições e uma abstenção, o juiz presidente incitou àquele que se absteve a mudar de opinião. No entanto, manteve a decisão. Os réus serão enforcados.
A instigante prosa literária de Fuller problematiza questão central na Filosofia do Direito. Opõe positivismo e jusnaturalismo, realismo jurídico e conservadorismo, este último modelo marcado pelo voto do juiz que se recusou a decidir. Um positivista condenou porque havia lei contra o homicídio. Outro positivista absolveu porque não havia lei contra o canibalismo. O jusnaturalista ouvia a opinião popular. O realista acreditou que os réus já haviam sofrido muito. O conservador não opinou, ainda que sabendo que seu silêncio implicaria em condenação.
Prepondera nas decisões dos vários juízes as percepções prévias que tinham do assunto. Uma chave para que se coloque em dúvida se a justiça é feita de leis ou se é feita da discricionariedade dos intérpretes da lei.