O Contrato Social, de Jean-Jaques Rousseau
O Contrato Social, de Jean-Jaques Rousseau
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Na imagem de Thomas Hobbes o Estado teria nascido do medo. Não haveria distinções entre esferas públicas e privadas. Na avaliação de John Locke o Estado teria surgido de um assentimento pessoal com vistas a um bem coletivo. O Estado seria um instrumento para realização de interesses localizados que se impõem racionalmente, pela convicção.
Por outro lado, na perspectiva de Rousseau o Estado predicaria na necessidade de um instrumento da vontade geral. É a vontade geral o tema central de um dos livros mais impactantes da tradição iluminista, “O Contrato Social”.
Vontade geral e soberania se equivalem na teorização política de Rousseau. A indivisibilidade da soberania decorreria da indivisibilidade da própria vontade geral. Esta última, vontade geral, seria substancialmente distinta de uma vontade de todos. O poder político sedimenta-se na conjunção de força e vontade.
O agente da vontade geral pode alterar seu conteúdo na representação de algumas outras vontades que carrega, atuando em favor de uma vontade pessoal ou de uma vontade setorizada, como se tutor da vontade geral efetivamente fosse. Há graduação entre essas vontades. A ascendência da vontade geral sobre as demais, ainda que mais fraca, é condição para alcance de uma imaginária ordem social.
Deve-se problematizar se Estado e Governo exprimem realidades distintas, ou não. O tema é quente entre servidores públicos que insistem na serventia ao Estado (distante, intangível) e não no governo (próximo, tangível). Esses últimos passam, aquele primeiros seriam permanentes. Tenho minhas dúvidas. Pode-se discutir seriamente o assunto se indagarmos se haveria vontades distintas entre os esses dois entes, Estado e Governo. Onde estaria a vontade geral?
A vontade geral seria ameaçada por vontades particulares ou por vontades corporativas. Disputas internas em um mesmo Governo revelam conflitos entre vontades corporativas, fragilizando-se orientação superior, supostamente qualificadora de uma vontade geral, especialmente em sociedade na qual os critérios de identificação de democracia fossem alcançados, a exemplo da participação efetiva do eleitorado, da compreensão das discussões públicas, do controle de agendas e da inclusão de todos os adultos, em condições de igualdade no exercício do voto.
A vontade geral resultaria de decisão coletiva que tem por objetivo atender a necessidades também coletivas, abstraindo-se vontades pessoais, localizadas e setoriais. E porque a natureza dita apenas interesses e vontades pessoais, a sociedade civil deve centrar-se numa convenção, qualificadora da imaginária vontade geral, concentrada num soberano, cuja obediência seria a medida exata da liberdade.
A vontade geral é aquela que compartilhamos como cidadãos. Estreitando as diferenças entre fatos e fantasias, Rousseau indicou mecanismos para combate da natureza egoísta da sociedade, revelando encantador otimismo para com a natureza humana, exigindo reformas radicais com o objetivo de se alcançar a igualdade entre as pessoas.
“O Contrato Social” é livro que enfatiza a legitimidade do legislador, fonte inquestionável da ordem jurídica. A tradição juspublicista francesa foi construída com referência a esse grande livro. É o que explica, entre outros, uma obsessão com a lei aprovada e publicada oficialmente, em detrimento de interpretações judiciais. É o que explica o fato de que o controle direto de constitucionalidade de leis é fato muito recente na história política francesa.
Conhecia-se, até recentemente, apenas o controle prévio de constitucionalidade. Uma vez publicada uma norma podia-se discuti-la em todas as possíveis dimensões, excetuando-se seus aspectos de constitucionalidade, presumidos como absolutos, porque previamente objeto de escrutínio e de julgamento.
“O Contrato Social” é um texto fundante de uma tradição, que se entende como democrática.