Cinco minutos de filosofia do direito, de Gustav Radbruch

Cinco minutos de filosofia do direito, de Gustav Radbruch

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Em 1945, logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, o jurista alemão Gustav Radbruch (1878-1949) distribuiu uma circular para seus alunos de Direito na Universidade de Heildelberg. O texto é emblemático, vale como alerta, deve ser recebido com o respeito devido a quem foi afastado da cátedra, ainda em 1933, por opor-se ao nazismo, ainda que, bem entendido, em seus escritos da década de 1920 possa se evidenciar uma adesão quase que ilimitada ao programa de regime ditatorial que a Alemanha conheceu.

“Cinco minutos de Filosofia do Direito” é fragmento que supõe retomada do jusnaturalismo, insumo conceitual que orientará algumas linhas jusfilosóficas da segunda metade do século XX, e que se desdobram no neoconstitucionalismo, paradoxalmente também batizado de neopositivismo. Com o fim da guerra, Radbruch dirigiu a Faculdade de Direito em Heildelberg.

O humanismo de Radbruch de alguma forma é também marcado por sua passagem pela Cruz Vermelha, onde atuou como voluntário. Sua ação política foi marcada por militância entre grupos socialistas, bem como por sua atuação como deputado e como ministro de Justiça durante a República de Weimar.

Para Radbruch, “ordens são ordens, é a lei do soldado”. A afirmação, tomada isoladamente, justificaria a posição dos alemães julgados em Nuremberg, e de todos os que foram posteriormente processados, inclusive entre os próprios alemães e no que se refere às próprias consciências. Além do que, continua, “a lei é a lei”. Concluiu esse primeiro minuto culpando o positivismo pelo pesadelo nazista, do ponto de vista jurídico. No segundo minuto Radbruch criticou outro dogma da filosofia nacional-socialista do direito, que identificava esse último com uma imaginária utilidade popular. A obsessão dos teóricos do nacional-socialismo com a tese de que o Führer revelava em suas ações a vontade do povo, o que inclusive fixava um princípio interpretativo do direito (Führerprinzip), marcou um populismo chauvinista que subverteu a ordem jurídica e os comprometimentos dessa com os ideais de justiça e de respeito à pessoa humana. Radbruch aproximou direito e justiça na reflexão que tomava o terceiro minuto, passo no qual repudiava todas as leis que carregassem alguma injustiça.

No quarto minuto Gustav Radbruch sustentou que o bem comum também seria finalidade do direito, ainda que, por força de circunstâncias que fugiam ao controle daqueles que tivessem algum comprometimento com a justiça, não se conseguiria retirar a juridicidade de normas injustas.

No quinto minuto, último dessa rápida reflexão, Gustav Radbruch invocou um direito supralegal, defendendo princípios fundamentais que orientam o direito e que transcenderiam o direito positivo, retomando um jusnaturalismo que também nominou de jusracionalismo.

Esse pequeno excerto de Radbruch, e que pode ser lido em cinco minutos, é permanente convite para uma compreensão humana do direito, no sentido de que seu reconhecimento dependa, prioritariamente do sentido absoluto de justiça que possa qualificar.

Nesse sentido, a guinada de Radbruch para o jusnaturalismo, para alguns uma correção de rota, e para outros a continuidade de uma linha conceitual que se aperfeiçoava e qualificava, é sintoma muito nítido de que a apologia ao jusnaturalismo é recorrente em instantes que sucedem a ditaduras, o que poderia identificar no neoconstitucionalismo um roteiro histórico parecido, a exemplo de sua ressonância em países como Espanha, Portugal, Itália, Argentina, Colômbia e, principalmente, no Brasil. Há muita semelhança.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 23/03/2020
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