Como as democracias morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt
Como as democracias morrem, de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
“Como as democracias morrem” é um livro para os nossos tempos. Os autores (Levitsky e Ziblatt) discorrem sobre o colapso das democracias tradicionais. Explicam uma recessão democrática que presentemente se observa em alguns lugares do mundo. Exploram fórmulas institucionais que se utilizam contra democracias consolidadas. Lamentam um ambiente no qual rivais políticos tornam-se inimigos viscerais. Observam como se atenta contra uma imprensa que deveria ser livre. Apontam que há um emparedamento das instituições.
Ilustram os pontos centrais do argumento com as eleições norte-americanas de 2016 e com a polarização em torno de figura central que não detinha experiência política e que não enfatizava compromisso com a tradição democrática clássica. Seguem com exemplos, e com estações em vários países: Turquia, Tailândia, Grécia, Gana, Guatemala, Nigéria, Paquistão, Peru, entre tantos outros. Lembram que não há mais notícias de golpes de Estado como se acostumou (infelizmente) a ver. Exemplificaram com o caso do Chile, e o caso grego também poderia ser acrescentado. São meras referências históricas os tanques na rua, as prisões, os toques de recolher.
Deslocou-se do golpe clássico para a expressão quantitativa do resultado das urnas. É o que os autores denominam de o paradoxo trágico da via eleitoral. Ganhar as eleições, na visão dos autores, é fim que justifica meios. E há registros históricos que revelam que essa fórmula não é exclusiva de nossos tempos. Para Levitsky e Ziblatt há precedentes na Alemanha (Hitler), na Itália (Mussolini), no Peru (Fujimori), na Venezuela (Chaves).
Para que não sejam imediata e indevidamente taxados como porta-vozes da esquerda, observo que Levitsky e Ziblatt criticam o chavismo, e reputam seu nome principal como um “oficial de baixa patente e líder de um golpe fracassado, que nunca havia ocupado um cargo público”. Haveria uma posterior renúncia às regras da democracia, e segundo os autores a Hungria (Viktor Orbán) nos forneceria o exemplo mais emblemático.
Levitsky e Ziblatt apresentam indicativos de um autoritarismo latente e ao mesmo tempo explícito. As regras democráticas do jogo são rejeitadas ou, no máximo, tem-se compromisso muito débil para com elas. Nega-se a legitimidade dos oponentes políticos. Os rivais são denunciados como subversivos. Constituem ameaça à segurança nacional e ao modo de vida predominante. Rivais políticos são descritos como criminosos. Toleram ou encorajam a violência. Patrocinam ou estimulam ataques aos adversários. Endossam a agressividade dos apoiadores. Buscam restringir as liberdades civis dos opoentes.
Há também o tema das notícias falsas. Ilustra-se com o movimento “birther” por intermédio do qual os opositores de Barack Obama argumentavam que ele não era norte-americano. Conceituam “abdicação coletiva” que consiste na transferência da autoridade para um líder que representa uma efetiva ameaça à democracia.
Comentam o modo como os tribunais constitucionais seriam ameaçados, na medida em que se pretende aumentar o número de magistrados, fixando-se maioria para quem os indicou. Na história norte-americana há exemplo dessa prática. Franklyn Delano Roosevelt não contava com a maioria dos juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos, o que ameaçava o programa de reformas (New Deal) que propunha. Seu poder presidencial não era suficiente. Cogitou então em aumentar o número dos juízes daquele Corte, na certeza de que com novos indicados contaria com maioria. A medida não foi necessária, no momento em que um dos juízes mudou radicalmente o modo como decidia as questões.
Os tribunais ganham uma maior dimensão política. Barack Obama não conseguiu indicar o sucessor de Antonin Scalia, juiz da Suprema Corte, que faleceu em 2016, ainda que tivesse pela frente quase um ano de mandato pela frente. Obama não contava com maioria segura no Congresso e preferiu não arriscar. Mais tarde, Donald Trump, seguro de que contava com o número suficiente de votos, indicou Neil Gorsuch, emplacando um candidato que sofria sérias restrições por parte de defensores de direitos trabalhistas.
O “lawfare”, isto é, a transformação dos tribunais em arena da política é um sintoma desses tempos. Do ponto de vista do Direito, em “Como as democracias morrem” constata-se que estavam certos os insurgentes rebeldes norte-americanos da academia jurídica dos anos 70, liderados por um brasileiro, Roberto Mangabeira Unger, para os quais direito é política. Eu acrescentaria, de um modo mais radical, que, na vida, somos seres políticos desde o nascimento.