Cinco livros para a quarentena
(Spoiler: Não tem “A peste” e nem “Ensaio sobre a cegueira”)
“Decameron”, Giovanni Boccacio. Tem peste e tem quarentena. Sete mulheres e três homens decidem fugir da Peste Negra, que assolou toda a Europa na Idade Média. Refugiam-se em um local totalmente isolado da civilização e passam o tempo contando histórias. As histórias destacam-se pelo seu caráter licencioso e satírico, ressaltando o amor carnal e não poupando críticas às autoridades religiosas da época. O leitor pode então viver a realidade de uma peste, mas, ao mesmo tempo, pode escapar e se envolver com histórias de outros cenários – e dar risada.
“A montanha mágica”, Thomas Mann. Não tem peste, mas tem quarentena. História de um sujeito que vai visitar o primo que está internado em uma clínica de recuperação para doentes pulmonares ou respiratórios nas mais altas regiões da Suíça. A visita acaba resultando na sua própria internação, já que descobriu que também estava doente. Permanece isolado no alto da montanha e depois descobre essa coisa espantosa: não sente mais vontade de voltar ao seu mundo habitual. O leitor pode refletir a respeito dos benefícios trazidos pelo período de quarentena.
“Hiroshima”, John Hersey. Não tem peste e não tem quarentena, mas tem um daqueles eventos que marcam uma geração – a Segunda Guerra Mundial e, mais especificamente, a queda da bomba atômica sobre Hiroshima. Não é uma história de ficção, mas a reconstrução do “dia da bomba” a partir de alguns personagens reais que o sentiram na pele. É um livro que emociona sem precisar apelar para os adjetivos fáceis – basta a descrição objetiva dos fatos. O leitor pode refletir sobre a necessidade de mudança nos rumos da humanidade após um evento-limite.
“Canaã”, Graça Aranha. Não tem peste, não tem quarentena e não tem eventos trágicos, mas tem uma profunda discussão filosófica e existencial que vem bem a calhar no momento pelo qual passamos. No que parece ser apenas a chegada de imigrantes em uma colônia do Espírito Santo estão embutidas reflexões sobre o papel e a evolução do ser humano, em sua longa trajetória da violência para o amor. O leitor pode aplicar essas reflexões ao cenário atual e perceber que a unidade existente entre os humanos é vital no momento de se lidar com crises mundiais.
“Contos”, Jack London. Não tem peste, não tem quarentena, não tem eventos trágicos e também não tem discussões que se apliquem à pandemia, mas é justamente esse o mérito dessa indicação. Porque há um momento em que é preciso se desligar de tudo o que diz respeito a isso. E pouca gente é melhor que Jack London para fazer com que o leitor se esqueça da sua própria vida e mergulhe na história de outra pessoa. O leitor pode se sentir no meio do Alasca e vivendo outros dramas e outras aventuras, enquanto não chega a hora de voltar para o sofrimento real.