G. K. Chesterton - Um esboço da sanidade: Pequeno manual do distributismo (Trechos)

Um batedor de carteiras é obviamente um campeão da iniciativa privada. Mas seria, talvez, um exagero dizer que um batedor de carteiras é um campeão da propriedade privada. O problema com o capitalismo e o comercialismo, propagados como têm sido recentemente, é que eles são realmente defendidos como uma extensão do comércio em vez de uma preservação dos pertences; e têm tentado, na melhor das hipóteses, disfarçar o batedor de carteiras com algumas das virtudes do pirata. O problema com o comunismo é que ele apenas reforma o batedor ao impedir a existência dos bolsos.

(G. K. Chesterton, Um esboço da sanidade: Pequeno manual do distributismo. Trad. Raul Martins. Campinas: Ecclesiae, 2016, p. 7)

Iniciativa privada não é uma maneira muito nobre de se declarar a veracidade de um dos Dez Mandamentos. Mas houve um tempo em que ela era, ao menos, algum tanto verdadeira. (Ibid., p. 8)

Se o uso do capital é capitalismo, então tudo é capitalismo. O bolchevismo é capitalismo, bem como o comunismo anarquista; e cada um dos esquemas revolucionários, não importando quão tresloucados, são, ainda, capitalismo. (Ibid., pp. 9-10)

Se o capitalismo significa a propriedade privada, então sou um capitalista. Se o capitalismo significar capital, somos todos capitalistas. Mas se o capitalismo significar esta condição particular do capital, apenas repassado à massa sob a forma de salários, então de fato significa algo, ainda que devesse significar outra coisa. [...] Aquilo a que chamamos capitalismo deveria chamar-se proletarianismo. O ponto disso não é que algumas pessoas possuem capital, mas sim que a maioria das pessoas tem salários simplesmente por não possuírem capital. (Ibid., p. 10)

O socialismo é um sistema que torna a unidade corporativa de uma sociedade responsável por todos os seus processos econômicos, ou todos aqueles que afetam a vida e seus essenciais. Se qualquer coisa importante é vendida, o governo vendeu-a; se qualquer coisa importante é dada, o governo deu-a; se qualquer coisa importante é até mesmo tolerada, o governo é o responsável por tolerá-la. Isso é o oposto exato do anarquismo; um entusiasmo extremo pela autoridade. (Ibid., p. 11)

Um governo socialista é um cuja natureza mesma não tolera qualquer oposição real e verdadeira. Pois lá o governo fornece todas as coisas; e seria absurdo pedir a um governo que ele fornecesse uma oposição. (Ibid., p. 12)

A oposição e a rebelião dependem da propriedade e da liberdade. (Ibid., p. 12)

É verdade que creio em contos de fadas – no sentido de que tanto assombra-me o que já existe ao ponto de tornar-me o primeiro a admitir o que poderia existir. (Ibid., p. 13)

O capitalismo é um monstro que cresce em desertos. (Ibid., p. 15)

O que sustenta o arco é uma igualdade na pressão que as pedras exercem umas sobres as outras. A igualdade é a um tempo ajuda e obstrução mútuas. Não é muito difícil demonstrar que numa sociedade saudável a pressão moral de diferentes propriedades privadas age exatamente da mesma maneira. (Ibid., p. 17)

Uma revolução igualmente heroica e ainda mais inconquistável já desdenhou, na Irlanda, tanto do sonho socialista quanto da realidade capitalista, com uma força motriz cujos limites ninguém ousou prever. (Ibid., p. 18)

A incessante e incansável paixão moderna pela compra e venda caminha de mãos dadas com a desigualdade extrema de homens muito ricos ou muito pobres. (Ibid., p. 18)

A teoria de que aqueles que começam razoavelmente iguais não podem manter-se razoavelmente iguais é uma falácia cujo fundamento está, todo, numa sociedade em que eles começam extremamente desiguais. (Ibid., p. 19)

A propriedade é uma questão de honra. O antônimo verdadeiro da palavra “propriedade” é “prostituição”. E não é de modo algum verdade que um ser humano há de sempre vender o que é sagrado àquele senso de autopropriedade, quer seu corpo, quer suas fronteiras. Uns poucos o fazem em ambos os casos; e ao fazê-lo tornam-se sempre párias. Mas não é verdade que uma maioria deve fazê-lo; e qualquer um que diga o contrário é um ignorante, não sobre nossos planos e propostas, não sobre visões ou ideais alheiros, não sobre o distributismo ou divisão de capital por este ou aquele processo, mas sobre os fatos da história e a substância mesma da humanidade. (Ibid., p. 22)

A sentença a que me refiro é deste feitio: que os anseios sobre a degeneração social não devem perturbar-nos, pois tais medos foram expressados em todas as épocas; e sempre há pessoas românticas e agarradas ao passado, poetas e semelhantes ralés, que estão sempre a olhar para trás, para os imaginários “bons e velhos tempos”. É marca notória dessas declarações que elas parecem satisfazer a mente; noutras palavras, é marca notória desses pensamentos que eles nos fazem parar de pensar. Assim, o homem que enaltece progresso não julga necessário mais progresso. O homem que rejeitou uma reclamação por ser demasiado velha não julga necessário dizer-nos nada novo. Contenta-se com repetir essa defesa das coisas existentes, e parece incapaz de oferecer-nos quaisquer pensamentos adicionais sobre o assunto. (Ibid., p. 23)

O sistema capitalista, bom ou mau, correta ou incorretamente, repousa sobre duas ideias: a de que o rico será sempre suficientemente rico para contrtar o pobre; e de que o pobre será sempre suficientemente pobre para desejar ser contratado. Mas presume, também, que cada um dos lados está numa barganha com o outro, e que nenhum dos dois está pensando primariamente no público. [...] Todo o argumento a favor do capitalismo era que através dessa barganha o público iria se beneficiar. Coisa que com efeito ocorreu, por algum tempo. Mas o único argumento original a favor do capitalismo desaba por completo se tivermos de pedir a qualquer uma das partes que continuem pelo bem do público. Se o capitalismo não puder fornecer a paga que instigará os homens a trabalharem, ele é, por seus próprios princípios, simplesmente bancarrota. (Ibid., pp. 27-28)

É de fato a imprensa capitalista que prova, sobre princípios capitalistas, que o capitalismo chegou ao fim. Fosse diferente, não seria necessário fazer os apelos sociais e sentimentalistas que estão a fazer. Não lhes seria necessário apelar à intervenção do governo, como fazem os socialistas. Não lhes seria necessário apelar ao desconforto dos passageiros, como se fossem dados ao sentimentalismo ou altruísmo. A verdade é que agora já não há ninguém que mantenha o argumento em que todo o antigo capitalista se baseava: o argumento de que, fossem os homens livres para barganhar individualmente, o público se beneficiaria automaticamente. [...] O conservador mediano está recaindo na antiga base comunista sem sabê-lo. (pp. 28-29)

O capitalismo é uma contradição, até mesmo uma contradição em termos. [...] O capitalismo é contraditório assim que está completo; pois lida com a massa de homens de duas maneiras opostas ao mês mo tempo. Quando a maioria dos homens é assalariada, torna-se mais e mais difícil que a maioria dos homens torne-se clientes. Pois o capitalista está sempre tentando cortar o que seu funcionário lhe exige e, ao fazê-lo, está a cortar o que seu cliente pode gastar. Assim que vê seu negócio em dificuldades, [...] ele tenta reduzir seus gastos nos salários, e ao fazê-lo, acaba por reduzir o que outros têm para gastar. [...] Ele quer que o mesmo homem seja rico e pobre a um tempo. (pp. 29-30)

Não julgo improvável que uma vida social mais simples há de retornar de qualquer modo; ainda que pelo caminho da ruína. Penso que a alma reencontrará a simplicidade, ainda que na Idade das Trevas. Não obstante somos cristãos, e como tais preocupamo-nos com a alma tanto quanto com o corpo. [...] E sinceramente desejamos que se considere seriamente se a transição não pode ser feita à luz da razão e da tradição; se não podemos fazer digna e deliberadamente aquilo que a nêmesis há de fazer imisericordiosa e imoralmente. (p. 36)

Nijair Araújo Pinto
Enviado por Nijair Araújo Pinto em 08/03/2020
Reeditado em 31/03/2020
Código do texto: T6883389
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