A Linha da Sombra - de Joseph Conrad
Joseph Conrad, cujo nome de batismo é Józef Teodor Konrad Nalecz Korzeniowski, célebre escritor ucraniano de pais poloneses, é o autor do popular O Coração das Trevas (Heart os Darkness), que serviu de base para o filme Apocalipse Now, de Francis Ford Coppola. Escreveu inúmeras obras, em língua inglesa - idioma que dominava com maestria -, muitas delas inseridas no rol de obras-primas da literatura universal.
O livro A Linha da Sombra (The Shadow Line: A Confession), uma pequena obra de um pouco mais de cem páginas, é um exemplar do seu magistral talento narrativo, simultaneamente simples e exuberante, poderoso, vigoroso, e inventivo, e rico de expressões e de evocações de cenas dramáticas e trágicas. Não é esta novela uma das suas obras mais conhecidas. As mais populares são Lord Jim, Nostromo e a já citada O Coração das Trevas; mesmo assim, ela merece figurar no cânone das obras literárias mais valiosas de todos os tempos. É uma pequena obra-prima esta novela cujo protagonista, um jovem marujo que se vê nomeado, pelo Capitão Ellis, comandante do vapor Melita, tem de enfrentar enervantes desafios, desafios que massacram os homens de espírito fraco. Bangkok é o destino de sua primeira viagem. E o herói contracena com uma galeria de personagens: John Nieven; Hamilton; Capitão Giles; Capitão Ellis; Burns, o imediato; Ransome, o cozinheiro; Gambril; e outros figurantes. Além destes, e do herói - cujo nome não é mencionado - da aventura, há um outro personagem - cujo nome também não é mencionado -, o predecessor do protagonista no comando do vapor Melita, personagem, este, que havia morrido, numa viagem anterior, na embarcação e cujo corpo foi enterrado, por Burns, o imediato, no Golfo de Sião, na latitude 8*20', norte, em local que estava na rota do vapor Melita. Conta-se que o falecido capitão era um homem de sessenta e cinco anos, obstinado, severo, introspectivo, que, trancafiado no camarote, tocava violino durante horas, ininterrupta e obsessivamente, e que mantinha a embarcação à deriva, sendo seu propósito, presumiam os tripulantes, o de jamais regressar à terra. E é este personagem, cujo nome, repito, não é indicado pelo autor, objeto de obsessão de Burns, o imediato.
Lançado Melita ao mar, os seus tripulantes adoecem de uma moléstia, que os alquebram, excetuados o capitão (o herói da aventura) e Ransome, o cozinheiro, acutilado, este, por alguma afecção cardíaca. Enquanto Burns, o imediato, e Gambril, e o segundo piloto e os outros tripulantes estavam acamados devido à febre que os prostrava, o capitão e Ransome desdobravam-se para se desincumbirem de suas árduas, desgastantes, tarefas; e estes dois personagens estavam sempre às voltas com os delírios de Burns, o imediato, que atribuía a febre malsã que debilitava os tripulantes do Melita ao espírito do falecido capitão. E Burns febricitava, delirava, presenciava, em sua mente perturbada, fantasmagorias.
Somando-se à febre que acometeu os tripulantes, o clima desfavorável, as trevas que envolveram a embarcação e a tempestade dificultaram o já difícil trabalho do capitão, o herói que não deu a público o seu nome. E o impacto das previsões agourentas do imediato no capitão não foi irrelevante: fê-lo, em algumas ocasiões, suspeitar, sob influência do medo, da tensão, das incertezas decorrentes dos contratempos, de sua sanidade, e a vislumbrar, em momento tão caótico, tão crítico, e em ambiente tão adverso, criaturas demoníacas, teratológicas, onde havia apenas humanos.
Se eu persistir na redação desta resenha, incorrerei, inadvertidamente, num pecado imperdoável: o de revelar o desenlace de tão intrigante aventura marítima concebida por um mestre da narrativa, dono de um estilo exuberante, másculo. No desejo de não cometer ato de tal gravidade, encerro-a com estas palavras: Joseph Conrad apresenta, nesta pequena obra-prima, um pouco de sua experiência de marinheiro; e dá ao mundo um presente do tamanho de seu imensurável talento, que tem as dimensões da vastidão dos sete mares.