"La vie en close" de Paulo Leminski: a valorização do inutensílio, em uma poesia rica e inusitada, numa experiência literária ímpar

Livro “La vie en close” do poeta curitibano Paulo Leminski. Trata-se de uma obra póstuma, organizada por Alice Ruiz, viúva do autor, que reúne poemas inéditos.

No livro, temos uma boa amostra do tipo de poesia que marcava a produção de Leminski. Ele buscava e imprimia em seus poemas um estilo único e original.

O CONCEITO E A LINGUAGEM DA POESIA

Logo nas primeiras páginas, temos o poema “Limites do Léu”, onde Leminski inclui, em verso, diversas definições do que é uma ‘poesia’, de acordo com diversos escritores. Tal poema-colagem, publicado de forma avulsa ao longo da década de 70, serve para indicar a pluralidade de visões que o texto poético pode ter, servindo como justificativa para o próprio Leminski que, segundo sua própria definição, entendia a poesia como “a liberdade da minha linguagem”.

E que linguagem livre é essa que o autor busca? Primeiramente, uma linguagem simples, porém musical, sincera. Vide “Estupor”:

esse súbito não ter

esse estúpido querer

que me leva a duvidar

quando eu devia crer

esse sentir-se cair

quando não existe lugar

aonde se possa ir

esse pegar ou largar

essa poesia vulgar

que não me deixa mentir

O INUTENSÍLIO E O SENTIDO DA VIDA

Há também, naturalmente, na poesia do autor, uma busca pela construção de imagens ricas. Leminski escreve:

lá fora e no alto

o céu fazia

todas as estrelas que podia

na cozinha

debaixo da lâmpada

minha mãe escolhia

feijão e arroz

andrômeda para cá

altair para lá

sirius para cá

estrela dalva para lá

Repare que nesse poema anterior, Leminski traça um paralelo, uma analogia de metáforas, entre os corpos celestes que iluminam o céu noturno e as reminiscências de uma infância onde ele vê a mãe cozinhar. Há uma olhar poético para um ato aparentemente simples, trivial, que é a imagem da mãe cozinhando. Isso, dentro da obra do autor, é o chamado “inutensílio”. Para Leminski, “inutensílio” são “todas aquelas coisas da vida que não tem significado nenhum, é brincadeira, é arte, é poesia” (1). Segundo Leminski, “a poesia é um inutensílio. A única razão de ser da poesia é que ela faz parte daquelas coisas inúteis da vida que não precisam de justificativa porque elas são a própria razão de ser da vida. Querer que a poesia tenha um porquê, querer que a poesia esteja a serviço de alguma coisa é a mesma coisa que você querer, por exemplo, que um gol do Zico tenha uma razão de ser, tenha um porquê além da alegria da multidão. É a mesma coisa que você querer, por exemplo, que o orgasmo tenha um porquê. É a mesma coisa que querer, por exemplo, que a alegria da amizade, do afeto, tenha um porquê. Eu acho que a poesia faz parte daquelas coisas que não precisam de um porquê. Para que porquê?” (2).

Doente, Leminski sabia que a morte se aproximava. Em alguns momentos de “La vie en close”, o término da experiência da vida é abordado, de forma reflexiva, demonstrando que se há algum sentido na vida, esse se encontra no inutensílio. Em “Rumo ao Sumo”, isso fica evidente:

Disfarça, tem gente olhando.

Uns, olham pro alto,

cometas, luas, galáxias.

Outros, olham de banda,

lunetas, luares, sintaxes.

De frente ou de lado,

sempre tem gente olhando,

olhando ou sendo olhado.

Outros olham para baixo,

procurando algum vestígio

do tempo que a gente acha,

em busca do espaço perdido.

Raros olham para dentro,

já que dentro não tem nada.

Apenas um peso imenso,

a alma, esse conto de fada.

A LINGUAGEM VISUAL

Leminski, em vários de seus poemas, se utiliza de uma linguagem visual inusitada, ora brincando, ora fazendo trocadilhos interessantes. Vide a brincadeira, por exemplo, em um poema simples manuscrito:

C

a

i

Por sua vez, os trocadilhos se apresentam de forma discreta e interessante. Ele escreve:

celeumas luas

onde se lê uma

leiam-se duas

Ao longo do livro, são vários também os poemas que se apresentam numa estrutura de versos inusitada.

A INFLUÊNCIA JAPONESA

Leminski era um apreciador da cultura japonesa. Era faixa preta em judô e escreveu uma biografia de Matsuo Bashô, por exemplo. E, do Japão, se tornou fã de haicais, forma de poesia em três versos. Há vários em “La vie en close”. Cito um deles:

completa a obra

o vento sopra

e o tempo sobra

CONCLUSÃO

Ler Paulo Leminski é uma rica experiência literária mas, mais do que isso, é ter o contato com uma poesia que enxerga a beleza nas pequenas coisas, no simples, no essencial. Poeta que morreu cedo (apenas 44 anos), conhecer sua obra é uma obrigação de qualquer pessoa que se interesse pela literatura brasileira.

(1) METEORO BRASIL. Pequeno príncipe, grande inutensílio. Meteoro Brasil, 2018, 16 minutos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_xAL4y7sSWg&t=890s.

(2) SCHUMANN, Werner. Ervilha da fantasia. Documentário, 1985.

NOTA: 5/5.

FICHA:

LEMINSKI, Paulo. La vie en close. São Paulo: Brasiliense, 1994, 5ª edição, 178 páginas.

Manoel Frederico
Enviado por Manoel Frederico em 01/03/2020
Reeditado em 03/03/2020
Código do texto: T6878070
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