O dedo em riste, Jurgen Habermas

O dedo em riste, Jurgen Habermas

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

No ensaio “O dedo em riste: os alemães e seu monumento” o filósofo Jürgen Habermas problematizou a “recordação autocrítica de Auschwitz” a propósito da discussão em torno da construção de um memorial às vítimas do nazismo. Para Habermas, “quem considera Auschwitz ‘nossa vergonha’ [alemã] está interessado apenas numa imagem que os outros fazem de nós [alemães], não na imagem que os cidadãos da República Federal da Alemanha formam de si mesmos, ao olharem para o passado e para a ruptura provocada na civilização, a fim de poderem olhar-se a si mesmos no rosto e readquirirem o respeito recíproco”. O problema é gravíssimo, relaciona-se com a construção (ou desconstrução) de uma identidade cultural, no contexto de um sentimento nacionalista, que se pensava de época.

O texto de Habermas remete-nos a uma teoria do dedo em riste, isto é, a grandeza histórica e cultural alemã (Beethoven, Goethe, Hegel, Schopenhauer, Lutero, Thomas Mann, Kant, Mozart, Schubert, Max Weber, entre tantos outros nomes) seria recorrentemente contrastada com os horrores do nazismo. À pátria da filosofia, se contrasta a bárbarie de um processo de descivilização. Como isso teria ocorrido justamente na Alemanha?

Ao impressionante papel da Alemanha no mundo científico um dedo em riste poderia opor a barbárie nacional-socialista. Os alemães detém 78 prêmios Nobel, sendo que 67 deles decorrem de pesquisas nas áreas de ciências naturais e da medicina. Conrad Röntgen, Robert Koch, Max Planck, Werner Heisenberg, Christiane Nüsslein-Volhardm Horst Störmer, Herbert Kroemer, Wolfgang Ketterle e Gerhard Ertl, todos cientistas de importância superlativa, ilustram esse rol.

Dados estatísticos apontam para uma Alemanha pujante: maior economia nacional da União Europeia, terceira maior economia do mundo, maior produto interno bruto de toda a Europa, na qual é o mercado mais importante. Os alemães registram o maior número de patentes na Europa; contam com a mais moderna rede de telecomunicações que há hoje em dia. A lâmpada elétrica (Heinrich Göbel), a aspirina (Felix Hoffmann), o automóvel (Karl Benz e Gottileb Daimler), o telefone (Philip Reis) e a bicicleta (Karl von Drais) são componentes da vida cotidiana que se relacionam ao esforço inovador e civilizatório alemão.

O contraste desse esplendor civilizatório, raramente igualado em qualquer outra experiência cultural, em face das reminiscências do horror nazista, é fato histórico que atormentou Jürgen Habermas. Questionou se há uma herança política, jurídica e cultural em relação a uma geração de réus, cujos descendentes seriam historicamente responsáveis por suas ações. A autocompreensão política da Alemanha radicaria também em uma reflexão autocrítica da barbárie de Auschwitz. Há um elemento de uma identidade nacional rompida no qual predica uma responsabilidade politica inquietadora. Nas palavras de Habermas essa ligação decorre do fato de que se praticou, apoiou ou tolerou uma ruptura na civilização. Um assunto a ser permanentemente pensado.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 26/02/2020
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