"Por que sou tão sábio e outros textos" de Friedrich Nietzsche: no limiar da genialidade com a loucura
Livro "Por que sou tão sábio e outros textos" do filósofo alemão Friedrich Nietzsche. Trata-se de uma pequena antologia da editora L&PM, lançada em sua tradicional coleção de livros de bolso, contendo três ensaios retirados de "Ecce homo", última obra do autor.
Esse foi meu terceiro contato com Nietzsche. Em meados de 2008, li “Assim falou Zaratustra” e, nos idos de 2010, li “Crepúsculo dos ídolos ou como filosofar a marteladas”. Meu interesse pelo filósofo alemão coincidiu com um período de transição em minha vida, passando de uma fase agnóstica para algo mais cética.
A FILOSOFIA
A filosofia de Nietzsche, de forma bem superficial, pode ser resumida como uma busca pelo entendimento do conceito de niilismo, como uma alternância para o pensamento religioso e a filosofia tradicional. Dentro deste contexto, desenvolveu uma profunda crítica à ética cristã. Segundo ele, ela limita o Homem, doutrinando-o e oprimindo-o e, com isso, impedindo seu autodesenvolvimento (seu “espírito livre”). Junto com a crítica ao cristianismo se juntou uma crítica à tradição filosófica clássica, e tudo isso se traduziu numa crítica à cultura como um todo.
Nietzsche buscou ainda estudar as ciências (física, química e biologia). Isso influenciou seu pensamento ao mostrar o Homem como um elemento da natureza, algo mais real, rompendo com uma visão idealizada. Então, este “homem real” é submetido, ao longo da vida, à educação de valores, que ele deve superar por meio da superação de conceitos limitados (bem x mal, por exemplo). Ao superar os valores impostos que o controlam, tornando-se controlador dos próprios valores (vontade de potência), o homem supera a si próprio, ou seja, supera aquilo que lhe foi imposto (moral, valores) e do qual era escravo, atingindo o conceito de “super-homem”. O Homem deve procurar o sentido da vida em si próprio e, com isso, ele superaria a moral imposta e, principalmente, a religião (daí sua citação conhecida de que “Deus está morto”).
É um filósofo diferente e que possui algumas particularidades. Seu texto é meio poético (principalmente em “Assim falou Zaratustra”), o que afasta eleitores devido à dificuldade de interpretação. Acrescente a isso o fato de que a filosofia nietzschiana ter se desenvolvido ao longo de vários livros, ou seja, pegar um livro no meio desse processo pode se tornar uma tarefa desafiadora.
Particularmente, se pudesse voltar no tempo, teria lido as obras de Nietzsche numa ordem diferente. “Assim falou Zaratustra”, livro que é a introdução para muitos leitores, deveria ser lido apenas após “Crepúsculo dos ídolos” e “Humano, demasiado humano” (obra que não cheguei a concluir). Se pudesse teria lido em ordem cronológica, observando a evolução do pensamento do autor. Diante disso, a leitura destes três ensaios retirados de “Ecce homo”, último livro escrito, não servem como explicação da filosofia de Nietzsche pois, esta, já foi aprofundada em livros anteriores. Estes três ensaios, portanto, servem mais para despertar a curiosidade quanto ao autor. Contudo, que Nietzsche encontramos aqui?
O FILÓSOFO
No final da vida, Nietzsche tinha duas características perceptíveis em seu texto: uma profunda falta de paciência com aqueles que não entendiam sua filosofia, bem como uma crescente debilidade na saúde, que geravam delírios devido a complicações impostas pela sífilis. Ambos os elementos, somados a um sarcasmo mordaz e um narcisismo coerente com seu pensamento, trazem um certo humor (involuntário) ao texto. Isso se percebe no título dos três ensaios aqui reunidos: “Por que eu sou tão sábio”, “Por que eu sou tão inteligente” e “Por que eu escrevo livros tão bons”. É nesse espírito que encontramos Nietzsche, defendendo seu pensamento, puto (atirando contra tudo e todos), e delirando um pouco.
Para quem já leu algo do filósofo, essa antologia soa como uma curiosidade interessante sobre como estava Nietzsche em seus momentos finais. Para quem não conhece, soa como um convite para um aprofundamento, que se encontra em livros anteriores. Contudo, não sei se esses três ensaios, por si só, serviriam como um bom convite, visto que não há muita explicação dos conceitos pilares e, ao mostrar esse período no qual ele está no limiar entre a genialidade e a loucura, penso que isso possa gerar uma imagem equivocada e limitada da pessoa que ele foi. A L&PM tenta compensar isso com o acréscimo de cronologia e notas explicativas do tradutor Marcelo Backes.
Enfim, vale como curiosidade... e isso é pouco, para um filósofo tão interessante e fundamental. Nietzsche é um autor que sempre convida para um aprofundamento e que, quando confrontando por um leitor que não teme questionar os próprios dogmas, deixa um saldo positivo.
(NIETZSCHE, Friedrich: cronologia, notas e tradução de Marcelo Backes. Por que sou tão sábio e outros textos. Porto Alegre: L&PM, 2016, (L&PM Pocket, volume 1226), 96 páginas. Título original: Warum ich so weise bin / Warum ich so klug bin / Warum ich so gute Bücher schreibe)