NOTAS DO SILÊNCIO (Lucas Barbosa) - Poesia
Podemos nomear dois silêncios: o físico, tátil, (in)audível. E o abstrato, que tanto pode ser branquescuro como indefinível, sujeito à compreensão solitária e nunca explicável, dada a impossibilidade das palavras nomearem as mais profundas e complexas sensações humanas. Notas do Silêncio, livro de estreia de Lucas Barbosa, aposta todas as fichas em ler e interpretar os silêncios dispersos, reconectando-os ao mundo sensível através da dissecação de suas cores, texturas e – por que não? – seus sons. Dotado de argúcia desmedida, o autor arrisca, logo neste primeiro livro, um voo alto, qual Ícaro, e numa arremetida privilegiada, oferece uma visão ampla de reconhecimento das nuances entre os silêncios possíveis de serem desenhados em letras, frases e orações. Em poesia, enfim. E também àqueles inimagináveis, onde dá massa e volume e nos permite que reconheçamos suas intermitências.
Lucas é jovem. Na breve descrição biográfica no livro, somos informados de que é formado em Filosofia e pratica a fotografia. Pronto. Aí está! Com esses predicados somados à alma inquieta e à percepção refinada, entende-se o porquê de sua poesia enlevada. Mas sem tergiversar, vamos às notas do silêncio.
Antes, porém, o último aparte. Se, como queria Filiou, “a arte é o que torna a vida mais interessante que a arte”, podemos (talvez “devamos”), entender que a arte, ou seu processo em nosso íntimo, deve ser sempre entendido como um organismo vivo e pulsante, que modifica e é modificado pelas situações nas quais interage. Essa co-respondência se faz necessária quando digredimos sobre matérias complexas, como este estudo de silêncios.
Feitas essas elucubrações, vamos finalmente ao texto sobre: Lucas Barbosa inicia a saga Notas do Silêncio justapondo a temporalidade como mote condutor da narrativa. A distribuição segue o calendário semanal: quarta, quinta, sexta…. Puro blefe de artista. O silêncio, enquanto ser sensível, tocado e sentido pelo eu-lírico transmutado no ele/ela do texto, não pode ser administrado sob a perspectiva da ordem cronológica. Esse silêncio in natura só pode ser vivido, amalgamado, introjetado, organicamente, de modo que não pode ser mensurado por vias cartesianas. Aqui, torna-se químico, não pela contagem das poções mas pela interação dessas poções e os novos resultados gerado desse encontro. Assim, quando o poeta, sacando um ás de sua manga poética, afirma
“ele escrevia na areia o que um forte sopro apagava, o pó de suas palavras se espalhou[…]” p. 49
está reiterando a metáfora da vida que se reproduz como um eco, o poema (eterno) que se reconduz e justifica a vida; mas ratifica Filliou, que pego emprestado e coloco em relevo aqui: estados “silenciais” são melhor fruídos na entressafra dos sons. Arrisco sugerir uma nota não dada pelo jogador/poeta: sons exaustivamente repetidos produzem estados sinestésicos uniformes, a quem podemos nominar de silêncio também. Afinal, excesso de informação é também desinformação. Mas este silêncio não nos interessa, é putrefato, não nos conduz ao índex criativo.
Barbosa rege a orquestra de silêncios e estes tanto podem ser os instrumentos que criam e reproduzem os silêncios, quanto podem ser a própria peça regida, as cifras anotadas, a textura sonora que penetra em nossos sentidos. Em seu prefácio, Leila Alexandre já aponta esse desdobramento: “[…]as permissões Lucas nos deu já a partir do título, essa pista que não leva a caminho certo ou destino inevitável por ser profusão de significado.” Daniel Carvalho, no posfácio, complementa o raciocínio: “[..]as notas do silêncio apresentam o silêncio como sujeito e como objeto poéticos; nelas, o silêncio é autor, personagem,, narrador, cenário e figurantes ao mesmo tempo.”
Junte-se a esse calhamaço as ilustrações em preto-e-branco de Natan Nakel, dialogando de forma cadenciada com o texto cheio de camadas policrômicas (derivadas da mesma raiz p&b); a inusitada capa sem título, “pichada” pela grafia livre e espontânea de Nakel; a enigmática foto do autor, barroca, na orelha; a fonte clean, não serifada, reivindicando o seu direito ao silêncio semiótico, o equilíbrio gráfico elaborado que permeia a obra completa; e temos então Barbosa – eloquente, wagneriano – com sua obra seminal e polissêmica, uma “orquestra de silêncios”.
Dissertar sobre Notas do Silêncio, de Lucas Barbosa, acabou por se tornar mais um nanoensaio que uma resenha. Seja como for, em que pese o traquejo mercadológico suicida deste escriba, outras pessoas com certeza socorrerão Lucas Barbosa e vão “vendê-lo” melhor. Pois o livro tem esse apelo e merece um marketing mais decente que este meu.
Serviço
Livro: Notas do Silêncio
Autor: Lucas Barbosa
Gênero: Poesia
Gênero Secundário: Prosa Poética
Edição: Lavra Editora (2019, 1ª edição, Brasil)
Revisão: Daniel Carvalho
Editor: João Caetano do Nascimento
Ilustrações: Natan Nakel
Projeto Gráfico e diagramação: IS