Machado de Assis e a confeitaria do Custódio
Machado de Assis e a confeitaria do Custódio
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Nas páginas de Esaú e Jacó encontramos irônica passagem de Machado de Assis que nos revela a pouquíssima participação popular que resultou na proclamação da república. Trata-se da deliciosa cena da Padaria do Custódio; por causa da placa identificadora daquele estabelecimento republicanos e monarquistas quase se enfrentaram. Para o escritor fluminense, a disputa em torno da identificação de uma padaria simbolizava o descaso que a vida política suscitava na população.
Tudo se deu nos dias da proclamação da república. A queda do império fora instigada pela questão social decorrente da abolição da escravidão, pela questão militar através da qual os militares prostraram-se contra D. Pedro II e pela questão religiosa, que valeu a D. Pedro II a oposição de substanciais setores da Igreja.
Ao que consta, escravagistas pretendiam uma indenização, que não foi paga; uma mácula a menos na triste e vergonhosa história da exploração do trabalho escravo. Os militares, fomentados pela doutrina positivista, se irritaram com a intromissão de D. Pedro II em assuntos da caserna; a prisão de um dos principais líderes do exército, porque havia se pronunciado sobre o montepio militar, foi a gota d’água. A Igreja insurgiu-se contra o Imperador porque este não concordou com bula papal que determinava que os padres expulsassem de suas paróquias padres que fossem ligados à maçonaria.
A proclamação da república foi golpe de cima para baixo; além do que, ninguém se entendia, e pouca informação objetiva havia. O desencontro de opiniões era geral e segundo uma testemunha ocular o povo assistiu tudo bestializado, como se fosse uma parada militar; essa passagem, atribuída a um dos proclamadores da república, tornou-se um mote de referência recorrente ao movimento.
Machado de Assis satirizou a situação, a indecisão, com o seguinte enredo. Custódio era dono de uma padaria para a qual encomendara uma placa com os dizeres Confeitaria do Império, nome pelo qual o estabelecimento era muito conhecido. Ao saber dos acontecimentos políticos, ordenara que se parasse a inscrição no “D”. É que os republicanos de 15 de novembro poderiam destruir a placa, e a padaria. Porém como a placa já estava pronta, Custódio evitou usá-la e ordenou que se fizesse outra, onde ler-se-ia Confeitaria da República. Porém ainda assim estava temeroso, porque uma reviravolta política poderia acontecer. Por sugestão do Conselheiro Ayres, Custódio decidiu-se por uma terceira opção, em nada comprometedora, a padaria chamar-se-ia Confeitaria do Governo...