O Elogio da Loucura, de Erasmo de Roterdã
O Elogio da Loucura, de Erasmo de Roterdã
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Erasmo de Roterdã foi um crítico da inflação legislativa, dos advogados, dos julgamentos, das demoras dos processos. Nasceu na Holanda, em meados do século XV, provavelmente em 1465. Foi ordenado padre, viveu em Paris, em Oxford, em Londres, onde teria escrito o Elogio da Loucura, um dos livros mais emblemáticos de nossa tradição cultural ocidental.
Erasmo esteve também por toda a Itália, travou amizades com as mais altas personalidades de sua época. Interessou por monumentos antigos, por manuscritos perdidos, por uma cultura que lutou para revivier. Símbolo do humanismo, sua vasta cultura proporcionou-lhe o epíteto de “o príncipe dos humanistas”.
Erasmo formulou um modelo próprio de pronúncia de grego clássico, chamada erasmiana ou etacista. É a forma como até hoje se estuda o Novo Testamento, em ambientes de teologia sistemática. O uso de seu sistema de pronúncia, que não corresponde à forma como os gregos contemporâneos falam a língua grega é fonte de muitos ruídos interpretativos. Erasmo, no entanto, pretendia unificar o que acreditava disperso e desordenado. É um dos pais fundadores dos estudos linguísticos.
Erasmo foi também um importante teólogo. Chegou a intervir em favor de Lutero, publicou obra sobre o livre arbítrio, mudou-se para Friburgo, na região fronteiriça entre Alemanha e França, onde lecionou. É ainda o símbolo dos estudantes europeus que conhecem várias universidades. O programa europeu que recebe estudantes da comunidade europeia chama-se Programa Erasmo.
Provocantes as opiniões de Erasmo sobre o lugar do Direito no contexto no qual viveu. São excertos que extraio do célebre Elogio da Loucura, primeiramente publicado em Paris, em 1511. Imaginando que a humanidade conheceu em algum lugar do passado uma época de ouro, Erasmo lembrou que em algum lugar do passado os legisladores eram inúteis. Quando havia bons costumes, não havia necessidade de leis. Foi um crítico da legislação casuística.
Erasmo atacou os advogados. Lembrava que os filósofos ridicularizavam os advogados, que qualificavam como senhores de uma ciência de burros. No entanto, reconhecia que, burros ou não, advogados eram os intérpretes das leis que regulavam todos os negócios. Afirmava que os advogados faziam um grande conceito de sua arte e que pretendiam preponderar sobre todos os eruditos. Há na época uma velada disputa entre teólogos e juristas, o que se revelava inclusive nos programas de ensino universitário. Havia diplomados em direito canônico e havia diplomados em direito comum.
Faziam-se muitas leis que não chegavam a conclusão alguma. Os textos jurídicos eram um amontoado de comentários, de glosas e de citações. Dificultavam tudo. E como sempre se acha mais belo o que é difícil, os tolos tinham em grande conta a ciência do direito.
Na visão de Erasmo, uma megalomania corporativa atingia os homens de leis, na medida em que existiria uma tendência de reduzir-se a vida ao campo jurídico. Tentativa inócua, na visão de Erasmo, que se valeu do mito de Sísifo para qualificar o trabalho do advogado. Sísifo fora condenado (segundo a mitologia grega) a fazer rolar uma enorme pedra até o topo de uma montanha. Quando chegava ao cume, a pedra rolava para baixo, e então todo o trabalho seria recomeçado. Simboliza a inutilidade de um esforço e, invocando a triste figura. Erasmo certamente quis caracterizar a dificuldade da advocacia. As críticas ao Direito Romano fulminavam os advogados da época. Erasmo pensava que juízes eram venais e que advogados eram prevaricadores. Erasmo era desencantado com o Direito.
Erasmo é figura simbólica no início da modernidade. Valorizava os ideais de libertação humana e uma compreensão de nossa importância na ordem das coisas. A loucura, nesse livro fundamental, toma existência personificada e avalia padrões e valores dessa época de transição. O título, Elogio à Loucura, é uma clara homenagem de Erasmo a seu amigo Thomas Morus, inglês, cujo nome, vertido para o latim, equivaleria a alguma forma de delírio ou de alienação.
Erasmo exerceu grande influência na intelectualidade europeia. Foi a própria e perfeita representação do intelectual renascentista. Propagou o humanismo, o antropocentrismo, o racionalismo e o individualismo como valores de um tempo novo, do qual foi, ao mesmo tempo, estímulo e resultado.