Discurso sobre o método, de René Descartes

Discurso sobre o método, de René Descartes

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

René Descartes, para alguns, o fundador do pensamento moderno, nasceu em Touraine, em 31 de março de 1596. Era de uma família da pequena nobreza da época dos Bourbon. Ficou órfão aos oito anos, estudou com os jesuítas, graduou-se em Direito Civil e Canônico. Legou-nos um método, chamado “cartesiano”, do latim “cartesius”, que traduzia seu nome Descartes. A certeza radica na dúvida. É esse o ponto central de seu pensamento. É a dúvida como método. A dúvida metódica.

Viajante contumaz e ao mesmo tempo um homem retirado, morreu de pneumonia em Estocolmo, em 11 de fevereiro de 1650. Saúde fraca, debilitada pelo frio sueco, condição prejudicada pelos horários que lecionava para a rainha Cristina. Descartes era habituado a dormir até o meio-dia, e as preleções começavam as cinco da manhã...

Descartes é figura emblemática de uma época de transição. As navegações ampliaram a geografia, o renascimento protagonizou ideário humanista, a reforma protestante viabilizou individualismo decorrente da livre interpretação. Inegável o parentesco espiritual entre Descartes e Santo Agostinho, a propósito da dúvida metódica. Para Santo Agostinho, o autor da Cidade de Deus, "(...) Se eu engano, existo, porque quem não existe não pode se enganar e por isso existo, se me engano". Copérnico, Bruno e Galileu fizeram especulações em torno do movimento e da extensão em Descartes.

Para Descartes o conhecimento seria também intuição, como apreensão da extensão e do movimento, predicados na experiência e na dedução. O Discurso sobre o Método foi escrito em francês e publicado em 1637. Afastava-se do latim como língua de cultura. Concebido como instrumento para "bem dirigir a própria razão e buscar a verdade nas ciências", foi redigido na primeira pessoa do singular e disposto em seis partes.

A primeira parte é autobiográfica. Inicia-se com uma ironia, "o bom senso é a coisa mais bem dividida". Segue com uma dúvida, "é possível que me engane e talvez não passe de cobre e vidro o que tomo por ouro e diamante". Mostra-se desamparado, "nutri-me das letras durante a infância (...) mal terminei (...) mudei inteiramente de opinião". É um atrevido,” abandonei o estudo das letras e fui buscar o grande livro do mundo". É um intelectual decidido, ainda que permanentemente em dúvida, "tomei um dia resolução de estudar também em mim mesmo". É a valorização da subjetividade, como resposta para a dúvida permanente.

A segunda parte enuncia as regras do método. Evidência (só é verdade o que é evidente como tal), análise (dividir as dificuldades em parcelas possíveis), síntese (do mais simples ao mais complexo), enumeração (fazer enumerações tão completas e revisões tão gerais, com a certeza de que nada é omitido).

A terceira seção sugere uma moral provisória, enquanto se aguarde um conhecimento definitivo: obediência às leis e aos costumes, moderação nas opiniões, firmeza e resolução, aceitação da ordem natural do mundo, cultivo da razão e busca da verdade.

A quarta parte nega a metafísica. É o "penso, logo existo" como "primeiro princípio da Filosofia". A quinta parte é a física, no sentido descritivo de coração, cérebro, artéria, razão e animais. A sexta parte faz surpreendente declaração de humildade, "(...)quero que se saiba que o pouco por mim aprendido até aqui quase nada é em comparação com o que ignoro e ainda espero poder aprender". Como o pensador ateniense que provocava a todos na rua, Descartes também sabia que nada sabia.

As categorias metodológicas de Descartes são fundamentais também para a pesquisa nas ciências sociais aplicadas, incluindo-se aí o direito. A regra da evidência consiste em não aceitar nada por verdadeiro que não seja reconhecido como tal pela sua evidência, isto é, uma coisa somente pode ser aceita como verdadeira quando se apresenta tão clara e distintamente ao nosso espírito que não permita nenhuma imprecisão. Quanto à regra da análise, esta consistiria em analisar as dificuldades decompondo-as no maior número de partes possíveis e necessárias para melhor resolvê-las.

Já a regra de síntese consiste em conduzir os pensamentos por ordem, começando pelos objetos mais simples e mais fáceis de reconhecer, para ir pouco a pouco, gradualmente, até os conhecimentos mais complexos, supondo que haja uma ordem também entre os objetos que não procedem naturalmente uns dos outros. Por fim, quanto à regra de enumeração, esta consiste em fazer sempre enumerações tão completas e revisões tão gerais que se tenha a certeza de nada omitir.

As regras do método cartesiano, quando efetivamente aplicadas, colaboram para que as pesquisas não incorram em erros recorrentes, a exemplo do uso destemperado da história, da retórica, e da argumentação preciosa, mas não precisa.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 10/02/2020
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