O Anjo Azul, de Heinrich Mann

O Anjo Azul, de Heinrich Mann

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

O Anjo Azul, de Heinrich Mann, é um dos mais expressivos livros que marcaram a cultura alemã do início do século XX. É um marco na República de Weimar. Trata-se do período da história alemã que vai do fim da Primeira Guerra Mundial ao início do nazismo. A cultura da República de Weimar caracterizou-se por uma profusão de artistas, pensadores e cientistas, que comprovam a excelência e a importância da tradição cultural dos alemães. Mais tarde, não se consegue entender como uma cultura tão avançada teria sido subjugada pelo desastre do nazismo. Colaboração? Aceitação? Acidente histórico? Indiferença? Cooptação?

Entre os representantes da cultura alemã da época de Weimar, há importantes escritores, como os irmãos Thomas e Heinrich Mann (a mãe deles, Júlia, era brasileira), Stephan Zweig (que se suicidou no Brasil) e Franz Kafka (que era de Praga, mas que era culturalmente alemão, língua na qual escrevia). Havia cineastas como Fritz Lang, dramaturgos, como Bertold Brecht, atores e atrizes como Emil Jannings e Marlene Dietrich, pintores como Paul Klee, arquitetos como Walter Gropius, músicos como Arnold Schoenberg, cientistas como Albert Einstein, sociólogos como Karl Manheim, filósofos como Karl Popper, juristas como Hans Kelsen e Carl Schmitt, além do pai da psiquiatria e pensador da cultura, Sigmund Freud. Um tempo culturalmente inigualável.

É um tempo de inovações e ousadias; é uma época de vanguardas, um período de ruptura com as artes já estabelecidas. A música dodecafônica de Arnold Schoenberg, o assustador enredo de O Processo, de Franz Kafka, os filmes da corrente expressionista (Dr. Calegari, O Anjo Azul, Metrópolis, Nosferatu), a tela Angelus Novus, do pintor suíço naturalizado alemão, Paul Klee.

A República de Weimar foi marcada pela presença de um grupo expressivo de intelectuais, de inegável influência na vida política e social, ainda que essa influência tenha se notado menos na própria Alemanha do que nas outras partes da Europa e do mundo. De acordo com um historiador da cultura alemã, os intelectuais de Weimar influenciaram a Alemanha na qual viveram bem menos do que empolgaram seus admiradores no estrangeiro. A influência desses intelectuais é impressionante, até os dias de hoje.

O Anjo Azul retrata um tempo histórico paradoxal, em toda sua extensão. Trata com graça e sutileza uma época complexa, marcada pela erosão de valores culturais, pelo medo com a perda de um status duramente conquistado e pela incompreensão de que o edifício político da Alemanha desabava. Heinrich Mann explorou a decadência e a obsessão com sexualidade, o que conflitava com valores aparentemente estáveis de um ambiente luterano (Alemanha do Norte) ou católico (Alemanha do Sul).

É a história do Professor Immanuel Unrat, um tirano pedagogo do ensino médio, a quem os alunos devotavam um permanente ódio. Na verdade, seu sobrenome era Rath, porém os alunos o tratavam maliciosamente por Unrat, um trocadilho agressivo. Unrat quer dizer lixo. Era severo, obsessivo com o bom comportamento, austero, metódico, representa a ordem absoluta do radicalismo prussiano. Tudo previsível, como o café da manhã que tomava, e que se reproduzia indefinidamente. Não havia espaço para o improviso.

O Professor Unrat flagrou um aluno com um cartão postal da vedete Lola, que cantava e dançava em um cabaré local, chamado de “O Anjo Azul”. Resolve ir até a boate, para reprimir e castigar aos alunos, que frequentavam o lugar. Seu moralismo não tinha limites. No entanto, surpreso com a realidade que encontrou, começou a frequentar o lugar. Era ingênuo e totalmente desfocado de qualquer realidade. Não resistiu ao charme e ao apelo sexual de Lola, por quem se apaixonou. Os alunos tomaram conhecimento do fato e passaram a importuná-lo de um modo incontrolável. Era ridicularizado todo o tempo.

Unrat abandonou tudo por Lola. Perdeu o emprego. Perdeu a reputação. Casou-se com a vedete. Viajou com a trupe do cabaré. Com o tempo Lola começou a desprezá-lo. Ele se tornou um empregado, da esposa e do proprietário do cabaré. Humilhado, começou a vender cartões postais da vedete, que eram comprados por frequentadores do lugar. Deve tolerar o envolvimento de Lola com os fregueses. É obrigado a vestir-se de palhaço, apresentando-se em um dos números de teatro que realizavam. Obcecado por Lola, é vítima de um desejo destrutivo. Retornam à cidade de origem. Vão se apresentar no Anjo Azul. Em alvoroço, os lugares do cabaré são disputadíssimos por aqueles que conheceram o professor. A presença do professor humilhado e decadente é um grande acontecimento.

O Anjo Azul foi levado para o cinema. Dirigido por Josef von Sternberg, o filme tem Marlene Dietrich no papel de Lola e Emil Jennings no papel do Professor Unrat. É um longa em preto e branco, um dos pontos mais altos do expressionismo e do realismo alemão. O Anjo Azul tornou Marlene Dietrich uma estrela internacional.

O fecho do livro é um pouco diferente do fecho do filme. Nesse último, o diretor optou por uma cena antológica, que retrata o professor voltando à escola onde lecionava, para abraçar a mesa e, em desespero, morrer, literalmente, de vergonha e de arrependimento.

De acordo com alguns analistas a analogia entre o enredo do Anjo Azul e o momento político e econômico da Alemanha é muito nítida. O pavor com a hiperinflação e com a polarização ideológica, cujo resultado que se temia era a destruição de uma vida organizada, assemelhava-se com o desejo sexual incontrolável, que também destruiria, nessa lógica conservadora e maniqueísta, a vida de um pacato professor de ginásio, que ganhava a vida honestamente ensinando inglês e literatura. Como aquilo foi possível?

É a mesma pergunta que se faz, quando se olha para o flagelo da guerra, ainda que com o benefício do retrospecto.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 02/02/2020
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