FREIRE, Paulo; NOGUEIRA, Adriano. Que fazer: teoria e prática da educação popular. 4. Petrópolis: Vozes, 1993.
Universidade de São Paulo (USP)
Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP)
Docente: Prof° Maria Clara de Pierro
Aluna: Cristina Barcelos Rodrigues Pinto
2019
Referência bibliográfica: FREIRE, Paulo; NOGUEIRA, Adriano. Que fazer: teoria e prática da educação popular. 4. Petrópolis: Vozes, 1993.
A obra é realizada em tom de conversa entre seus autores, Paulo Freire e Adriano Nogueira, levantando questões que intencionam auxiliar as pessoas envolvidas na educação popular, convidando-as a fazer parte da obra a partir de uma leitura interativa onde o leitor possa superar o próprio texto, questionando-o e até se opondo a ele. É dividido em capítulos que elencam os aspectos relevantes relevantes da educação popular no tocante a origem, atuação política, educadores e intelectuais envolvidos e, por fim, as instituições de atuação profissional.
Sobre sua autoria temos Paulo Freire (1921 - 1997), com extenso e reconhecido repertório bibliográfico, sobretudo a respeito da educação popular e educação de jovens e adultos, bem como Adriano Nogueira (1928 - 2004), formado em direito, assim como Paulo Freire, estudioso de antropologia, escritor com uma obra e 24 artigos publicados, fundador da revista “Linguagem Viva” em Piracicaba - SP, onde também ocupou cargos públicos na área, além de apreciador das obras se amigo de Paulo Freire. Trata-se então de uma obra enriquecedora no âmbito da educação popular, onde a contribuição de ambos os autores buscam imergir os leitores nesse segmento educacional, apresentando suas peculiaridades e tratos necessários por parte dos educadores e intelectuais nela envolvidos , respaldadas no respeito da máxima que, as classes populares detêm saberes, oriundos de suas práticas de vida, que devem ser considerados em todo o processo da transmissão de conhecimento.
Sempre através de perguntas e respostas de ambos os autores, a obra é introduzida através de questionamentos sobre a origem da educação popular , evidenciando os fenômenos do populismo, da industrialização e da migração como fatores preponderantes, defendendo que a educação popular é defendida na prática, sendo a educação uma prática política pela reivindicação de acessos e direitos.
Seguindo com o primeiro capítulo sobre a definição de educação popular, define-a como um “esforço de mobilização, organização e capacitação das classes populares”, sendo que essa capacitação pode se dar de modo científico e técnico, inexistindo um programa pré-estabelecido. Evidencia o despertar das ações coletivas a partir de contribuições individuais, sendo esse inclusive, o aspecto coletivo da resistência.
No segundo capítulo da obra tem-se como foco a organização do sabres quanto aos seus conteúdos, concluindo que não há pacotes nem conteúdos prévios às lutas e resistência: “O conhecimento sistemático facilita a luta, mas ele deve ocorrer nos caminhos da prática.”.
Continuam com diálogos onde defendem a aquisição do conhecimento pela reflexão, considerando, sobretudo, “os corpos humanos que estão resistindo e lutando, aprendendo e tendo esperança”. Há menção às narrativas orais populares: “A cultura e o saber popular são de origem oral e não científica”, fato que de forma nenhuma os impossibilita de adquirir o saber científico, mas que é mencionado para que seja considerado pelos educadores e intelectuais que estão de alguma forma engajados na educação popular.
Já no capítulo três, discorre sobre “O texto escrito e a reaproximação do leitor de sua própria vida”. Mencionam a relação existente entre o saber do corpo e o conhecimento defendendo que, o corpo nos remete a conhecimentos que se organizam no interior das ações, a escrita, por sua vez, nos remete a conhecimentos organizados no interior dos códigos ou conceitos, concluindo que na educação popular os dois atuam juntos por não se conceber a ruptura entre pensamento e ação. Além disso, defendem que os grupos populares possuem plenas condições de aprender e apreender o discurso teórico.
No quarto capítulo contrasta o “conhecimento gerado na favela e o conhecimento gerado nessa nossa reflexão”. Debatem então sobre a postura do intelectual na atuação da educação popular que, por sua vez, não devem apenas emitirem problemas que a comunidade já sabem que existem, mas sim atuar em conjunto com ela para assim tentarem sanar tais problemas, ou ao menos diminuí-los. Continuam, em tom de orientação e cautela, argumentando que deve-se também se atentar ao “perigo do desentendimento cultural”, para que “os intelectuais não fiquem mais longe e menos abertos”, onde as críticas devem ser acompanhadas de compreensão, isentas da sobreposição de saberes.
Seguem dialogando chegando ao capítulo cinco, direcionado especificamente aos educadores, apontando para a necessidade do questionamento por parte deles sobre suas práticas quanto ao atendimento das crianças da periferia e da classe média, uma vez que
os dois grupos são portadores de culturas diferentes, sendo o primeiro desrespeitado historicamente, por meio de um tipo único de estudos e escola. com carinho e respeito referem-se sobre “aprender a querer bem os filhos da periferia” e, sobre o fato de os educadores estarem a serviço de cada aluno em específico, e não a serviço da humanidade, demonstrando aí a necessidade de empenho dedicado a cada criança que passar por cada educador, e da importância em potencial desse educador na vida de cada criança.
Finalizam esse produtivo diálogo com o sexto capítulo, que tem como temática a criticidade quanto à instituição de atuação profissional, se dirigindo aos educadores em tom explicativo que “somos melhores que a sensata rotina institucional”defendendo o que chamaram de “sadia insanidade”, respaldada na teimosia e valentia, além da competência, buscando então o caminho da satisfação e da alegria quanto às próprias práticas e resultados de trabalho. Atenta ainda para os educadores “não se neurotizarem em uma insatisfação rotineira em cumprir as regras”, compreendendo os limites de atuação profissional institucionalizada, concluindo que “não se deve viver dividido”.
A obra possui ainda dois anexos ao seu final, sendo que o primeiro discorre sobre a descoberta da “educação bancária”, conceito de Paulo Freire que consiste, primordialmente, no depósito de conhecimento ao aluno silenciado, método que, por sua vez acaba gerando exclusão de grupos vulneráveis, onde a ação cultural da educação popular, sobretudo de jovens e adultos, detém forte potencial de mudança. Já o segundo anexo se refere ao “movimento popular como uma escola de educação popular”, justificando a necessidade de valorização dessa cultura como conhecimento vivo, oriundos da prática e das necessidades de vida nem sempre sanadas e que, por sua vez, precedem o conhecimento científico, mas não o anula, ao contrário, torna-se um agente facilitador para sua aquisição. Sustenta ainda a troca de conhecimento dentro dos movimentos sociais, por isso considerado como escola de educação popular, conforme mencionado no título do próprio anexo, onde as pessoas se educam tornando-se mais ativas e conscientes em seu processo de existência.
Após a leitura da obra pode-se notar o caráter brando, porém intenso da conversa de ambos os autores. Buscando se aprofundar em cada temática abordada, eles faziam um vai e volta de perguntas e respostas,
que buscavam abranger cada aspecto da questão, onde cada “provocava” o outro de maneira respeitosa e produtiva, fazendo-os se esgotarem em argumentos para elucidar cada ponto abordado nesse diálogo, era como se eles quisessem saber sempre mais o que o outro poderia ensinar através de cada resposta dada, seguida muitas vezes de exemplos que as elucidavam ainda mais.
Percebeu-se da mesma forma, a presença de muitos dos conceitos e termos definidos por Paulo Freire, como a alegria, a esperança, a utopia necessária como sonho que precede a conquista, a valorização dos saberes das classes populares, a não superiorização dos saberes práticos e científicos, dentre tantos outros que buscam facilitar a prática de ensinar e aprender.
O texto, em sua própria referência, demonstrou a intenção de aproximar o leitor no universo da educação popular e de seus mais relevantes aspectos, ainda que se considere uma obra inacabada, assim como o próprio ser humano, devendo ser “completada” pela experiência e
conclusões de cada um que com ela tivesse contato. Considero que os protagonistas dessa conversa, através de suas perguntas e respostas, conseguiram realizar suas intenções introduzindo o leitor, envolvido com educação popular ou não, ao seu modo de ação, fazendo compreender a potencialidade política, quanto às transformações sociais, originadas pela educação popular.