Miquéias Maia, mineiro do Vale do Jequitinhonha, estreia no universo literário com Idalina. Um romance capaz de prender a atenção do leitor desde as suas primeiras páginas.

Idalina vai muito além de uma bonita história de amor entre a personagem título e Heitor. Ela, sócia de um pet shop e ele, motoboy que trabalhava fazendo entregas para uma farmácia.

O enredo deste encontro se desenrola por uma aventura de tirar o fôlego, como se o leitor estivesse em uma montanha russa, onde os momentos de calmaria não duram mais do que poucos segundos. Mas vale a pena cada calafrio!

Os caminhos de Idalina e Heitor se cruzam quando ele vai ao pet shop atrás de informações sobre algum tratamento para combater as pulgas de Xandurusca, seu gato de estimação. Este primeiro contato é marcado por um curto diálogo, no qual Idalina passa para Heitor as informações necessárias em relação ao tratamento de Xandurusca. Tempo também suficiente para que ocorra uma empatia mútua.

Heitor promete voltar outra hora para buscar os medicamentos, mas vai embora intrigado com o olhar do gato Sebastião, bichano adotado por Idalina e que o olhou de maneira muito estranha durante todo o tempo em que esteve na loja.

À medida que ocorre uma aproximação natural entre Idalina e Heitor, o gato Sebastião se torna agressivo em relação ao rapaz, chegando mesmo a atacá-lo. E ao mesmo tempo em que a empatia se transforma num envolvente e visceral romance, ambos acabam envolvidos num drama de muito mistério.

O relacionamento entre os protagonistas vai se aprofundando... ele cada vez mais apaixonado pela linda e incrível namorada, ela dando vazão ao seu lado mulher e deixando para trás a menina tímida, se entregando de corpo e alma àquele que se torna o seu homem. Juntos, também vão sendo mergulhados numa trama que lhes custará muitas lágrimas e muito medo, em contraste com a busca por coragem, resiliência e fé, tão necessária para encarar os desafios que se apresentam quase sem intervalos. A vida de ambos se torna um verdadeiro inferno!

Todo o enredo, que se desenrola no estilo distorcido da mais furiosa guitarra na execução de um heavy metal, tem como pano de fundo a beleza dos acordes dos violões de Minas e a sensualidade de um corpo que balança ao som do jazz de um saxofone.

Os cenários estão muito bem retratados na obra de Miquéias Maia. A descida da Avenida Amintas Jacques de Moraes, no Bairro Glória, em Belo Horizonte, com seu “túnel verde”, é descrita com tal sensibilidade, que traz uma sensação de frescor à leitura. É possível se transportar para aquele ambiente gostoso enquanto seguimos na moto de Heitor por entre as árvores, com vento na cara e baterias recarregadas para encarar o dia.

A cultura mineira foi deliciosamente descrita no sotaque do povo do norte de Minas, sotaque este que, transcrito na obra, quebrou a tensão da trama com musicalidade e poesia.

A narrativa do Sr. Chico da Veneza acendendo um cachimbo é a descrição de um ritual. O momento é sagrado, desde o debulhar do fumo de rolo no pano branco, o pedido para que as crianças se afastem enquanto ele risca um fósforo porque “não queria que o líquido do isqueiro modificasse o sabor do fumo” e o acender do fornilho, até que “sentiu o vento no bigode e a nicotina lhe penetrando o epitélio alveolar pulmonar... até chegar aos receptores cerebrais”. O Sr. Chico, que desconhecia a linguagem científica, “se condescendia com o vicioso hábito, enquanto uma sensação de leveza o tomava...”.

O canto das lavadeiras à beira do Córrego do Girú, em Joaíma, é poesia para além da canção. É o retrato de muitas gerações, da cultura de um povo que canta enquanto labuta, transformando o trabalho árduo em algo que seja leve, belo e prazeroso.

 
“Mas cadê meu lenço branco... ô lavadeira
Que eu lhe dei para lavar... ô lavadeira
Madrugada madrugou ... ô lavadeira
E o sereno serenou ... ô lavadeira

Não tenho culpa do que se passou
Deu uma chuva muito forte
E o lenço carregou...”

 
Foi das lavadeiras que cantavam à beira do córrego enquanto batiam as roupas e depois as deixavam quarar nas pedras, que vem a mensagem central do livro:
 
“Faiz o que é cért, meu fi, a força do bem vai protegê ocê”.
 
A religiosidade do interior teve seu espaço na obra, trazendo à luz os benzedeiros, com suas ervas e rezas para curar quebrantos, mal olhados e “virar o vento” de qualquer energia ruim.

Em meio a cenas horripilantes onde o sobrenatural se mistura à violência urbana das gangues e das juras de vingança, onde o sangue pode jorrar pelo impulso de forças espirituais ou pelo gatilho de armas poderosas, Idalina está recheado de momentos de amor e sensualidade.

Como bom mineiro, o autor deixou que a sensualidade transbordasse em doçura e pureza na dança de um pedaço de rapadura na boca de Idalina, que no calor do Norte de Minas, estava deitada sobre o piso frio das casas do interior, ao som do Beatles...

Registro aqui, que a trilha sonora que permeia todo o livro é de excelente qualidade!

O desenrolar da história é intenso, por vezes confuso, mas tudo se esclarece, ou não, de maneira a deixar o leitor com um sorriso bom e muitas reticências na cabeça ao virar a última página...



Título da Obra: Idalina
Autor: Miquéias Maia
Editora Colibri, 2018
ISBN:
978-85-92781-02-6
Nº páginas: 223
Citação: 
O Canto das Lavadeiras / Lenço Branco (Coral das Lavadeiras de Almenara e Carlos Farias)
Foto do livro para a resenha: Jefferson Lima
Jefferson Lima
Enviado por Jefferson Lima em 26/01/2020
Reeditado em 31/01/2020
Código do texto: T6850709
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