O fim da história e o último homem, de Francis Fukuyama
O fim da história e o último homem, de Francis Fukuyama
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
O cientista político norte-americano Francis Fukuyama notabilizou-se na década de 1990 por ter argumentado que a vitória do modelo liberal, em desfavor do modelo soviético, marcaria o fim da história e o consequente ocaso do último homem. A tese era intrigante. Não se tratava do fim da história enquanto acontecimento ou narrativa. Tratava-se do anúncio do fim das utopias, com a realização de uma delas, isto é, do eventual triunfo do capitalismo liberal, o que marcaria o sepultamento de qualquer outro projeto de libertação.
Fukuyama nasceu em Chicago. Lecionou na Universidade Johns Hopkins. Fukuyama foi aluno de Allan Bloom, importantíssimo intelectual conservador norte-americano. Doutorou-se em Ciência Política pela Harvard University. Fukuyama cooperou com um think-thank – órgão de pesquisa e de formação de opinião –, não governamental, ligado ao partido republicano norte-americano.
Fukuyama notabilizou-se como um neoconservador. Seguia ideologicamente a Leo Strauss e a Allan Bloom, seu orientador. O livro mais conhecido de Fukuyama, O Fim da História e o Último Homem, cuja ideia central posteriormente de certo modo renegou, era uma tentativa de moldar concepção historiográfica que justificasse o triunfo do neoliberalismo.
Com a vitória das forças do capitalismo, em prejuízo do projeto de comunismo de Estado, vencidas estariam todas as utopias que não se conformariam com a utopia do livre mercado. E como a história poderia ser também uma leitura do passado em função de um projeto de futuro, realizado no presente, ela não faria mais sentido. E com base em Nietzsche, Fukuyama engendrou um último homem, figura solitária que não teria mais ideais para viver.
Para Fukuyana, a história predica na luta de ideias, e da oposição entre concepções de poder. O fim da Guerra Fria e a queda do muro de Berlim comprovariam o triunfo da democracia liberal. Consequentemente, apontava-se para a ampliação do modelo, como característica de mundo globalizado. Nesse sentido, a globalização seria caracterizada pela difusão de valores neoliberais, a exemplo de economia de mercado e de liberdade de concorrência.
Fukuyama identificou-se com o neoconservadorismo republicano dos Estados Unidos, especialmente à época da vitória de Bush, que levou a eleição de Al Gore. Fukuyama defendeu o realismo nas relações internacionais, o que substancializaria a posição dos Estados Unidos numa série de questões pontuais, a exemplo do papel norte-americano no Oriente Médio. As intervenções no Irã e no Iraque ilustram essa posição.
É nesse ambiente historiográfico que causou muita discussão a tese de Francis Fukuyama, para quem viveríamos o fim da história e o tempo do último homem. Com a suposta vitória da democracia e do neoliberalismo, especialmente após a queda do muro de Berlim, todas as utopias perderiam sentido.
Para Fukuyama a história estaria realizada definitivamente na derrota do comunismo. Não haveria mais espaço para soluções refratárias à liberal-democracia e por isso desnecessárias e supérfluas todas as lutas políticas. Fukuyama tornou-se o alvissareiro da vitória do liberalismo. Com base na tradição hegeliana que preconizava o fim da história, de certa maneira apropriada pelo pensamento marxista, para quem a história agonizaria com a ditadura do proletariado, Fukuyama tomou um conceito de Marx para sepultar o marxismo.
Recentemente, Fukuyama reviu algumas ideias, relativizando seu apoio à política norte-americana. Discorreu sobre o legado da doutrina neoconservadora, pregando novo modelo de política externa, mais sensível aos problemas internacionais, especialmente os vividos pelos países emergentes. Fukuyama passou a defender um capitalismo democrático.
Fukuyama reconheceu certo exagero em torno da ameaça do fundamentalismo muçulmano, apontou para os problemas gerados pela oposição da ONU – em relação à invasão do Iraque –, bem como adiantou dilemas que decorrem da tentativa de se impor valores ocidentais no mundo muçulmano. Tornou-se um relativista. Fukuyama defendeu eventual intervenção militar norte-americana como uma última alternativa, a ser evitada a qualquer custo.
E, se correto, Fukuyama, para quem a história teria terminado (com o que discordo), fica no ar preocupação não menos intrigante, relacionada com a teoria geral do direito. Isto é, poderia se admitir um direito de conformação universal, que estaria para o regramento de comportamentos como o esperanto estaria para a miragem babilônica das línguas. Se verossímil a constatação, decretar-se-ia o fim do Direito também, porque o Direito perderia sua espontaneidade, seu poder de refletir culturas e hábitos, bem como sua magia na expressão de conflitos sociais latentes e presentes.
Os tempos atuais, no entanto, são outros.
A profecia de Fukuyama não se cumpriu. Pelo contrário, os tempos de hoje constatam o ódio para com um modelo empírico que, no mais das vezes, não seria prestigiado por seu criador, um certo filósofo barbudo alemão, para quem tudo o que é sólido desmancha no ar, e tudo o que é sagrado será profanado. Pode-se de discordar desse pensador incomparável, como Fukuyama o fez, mas não se pode negigenciá-lo na história da cultura. Refiro-me a Karl Marx. Fukuyama é um escritor elegante, um aficionado pela fotografia, um historiador comprometido com seus ideais. É um intelectual de honestidade a toda prova, ainda que não concordemos com suas premissas e com suas conclusões.