A Política como Vocação, de Max Weber
A Política como Vocação, de Max Weber
Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy
Em “A Política como Vocação” (Politik als Beruf) o pensador alemão Max Weber (1864-1920) discutiu o monopólio da violência pelo Estado, a distinção entre viver “para” a política e viver “da” política, os fundamentos da legitimidade, os diferentes tipos de funcionários públicos, os traços distintivos entre ética da convicção e ética da responsabilidade, entre tantos assuntos, marcados por intensa atualidade.
Lembrando León Trotsky, para quem o Estado se fundaria na força, Weber enfatizou que o Estado é o detentor do monopólio da violência física. Sua eventual legitimidade predica nos arranjos que emprega para justificar esse monopólio. Weber negou a ingenuidade dos que veem o Estado como instrumento de uma idealizada paz social. A premissa é assustadora para a tradição democrática, ainda que absolutamente realista.
Exige-se toda atenção para com agentes do Estado, ou do governo, de modo mais simples. O corte entre essas duas instâncias, Estado e governo, é meramente instrumental. Funcionários exercem poderes sobre nossas vidas. O fiscal que verifica passaportes, e que tem poder absoluto em relação a quem pretende entrar em qualquer país, é exemplo desse poder absoluto. A posse de um visto de entrada, como sabe quem estuda direito internacional, não é garantia de entrada em qualquer país. Estamos sempre à mercê da discricionariedade burocrática.
Para Weber há quem viva “para” a política, e há quem viva “da” política. Os que vivem “da” política teriam na atividade parlamentar uma permanente fonte de rendas, ou de sinecuras, ou de garantias corporativas. Quem vive uma causa, segundo Max Weber, também viveria "da" política. Quem vive “para” a política tem o poder de transformar sua ação em seu fim de vida. Confunde-se entre o que é e o para o quê vive. E isso não seria mero jogo de palavras. Ainda que hoje perceba-se uma tentativa brutal de criminalização da política, a política é indicativa de processo civilizatório. Impraticável sem ela. A quem interessa seu apequenamento?
Assentado que no Estado tem-se a dominação do indivíduo sobre o indivíduo, porque é um indivíduo quem detém poder em relação a quem não detém poder nenhum, ou pouco poder, necessário que se averigue sobre quais condições se desenvolveria esse domínio. Para Weber, há sobre nós uma autoridade recorrente do passado, que denominou de “poder tradicional”. Haveria uma segunda forma, marcada por dons pessoais e extraordinários de alguns líderes, que se denominou de “poder carismático”. Por fim, uma forma de dominação que explicita uma competência positiva, de base racional, que Weber denominou “dominação pela legalidade”. É o caso do domínio pela burocracia. Acrescentaria um poder carismático que contemporaneamente se exerce no contexto das redes sociais, por intermédio das milícias digitais.
Na burocracia transitam funcionários de carreira, inamovíveis, cuja honra “(...) reside em sua capacidade de executar conscienciosamente uma ordem, sob responsabilidade de uma autoridade superior (...) o funcionário deve executar essa ordem como se ela correspondesse a suas próprias convicções”. O sentido de hierarquia vincula-se à aceitação de que a ação do funcionário é resultado de um comando próprio, no sentido de que suas opções se confundem com as do chefe. Em tempo, hierarquia é expressão que a Ciência Política tomou da Teologia. Isto é, a base semântica, “hieros”, é indicativo do que é sagrado. Lembremo-nos dos “hieroglíficos”, a escrita sagrada do Egito faraônico.
Há também o chefe político movível, dependente do vento das eleições, cuja honra se assenta não na obediência, mas em sua responsabilidade pessoal. Tudo o que faz, o que diz, o que determina, é orientação que lhe acarreta conta e risco. A honra do chefe político sugere uma dupla ética que lhe exige uma opção. Essa ética dupla substancializa “duas máximas inteiramente diversas e irredutivelmente opostas”. Weber trata das éticas da responsabilidade, e da convicção, que se contrapõem.
Neste último caso – ética da convicção -, a ação seria pautada pelo descompromisso com suas consequências e pela obstinada observância de dogmas, crenças e mantras. Naquele primeiro caso – ética da responsabilidade -, o encargo é o traço definidor de pautas, agendas e escolhas, ainda que a custo do abandono da convicções que são sólidas, mas que a necessidade exige revisão. Na ética da convicção os resultados não interessam, o que vale é a ideia ou o valor que move a ação. Na ética da responsabilidade os resultados pautam a ação e o comportamento do agente.
Essa ambiguidade explica um pouco da política que vivemos, esclarecendo porque na busca de horizontes possíveis corremos o risco de rompermos com nossas promessas. Muito menos do que exercício pragmático de incoerência tem-se na ação política um antídoto responsável para fórmulas rígidas, que obstruem a plasticidade e a flexibilidade que se espera do homem público.
Esses conceitos ajudam na tentativa de compreensão dos sombrios tempos que vivemos, ainda que as ideias de Weber tenham sido concebidas há mais de 100 anos, em ambiente político geográfico, econômico e ideológico totalmente distinto do nosso. É que, suponho, a luta pelo poder, enquanto fundamento último da atividade política, e de uma ciência ao mesmo tempo normativa e descritiva que a tenta explicar, consiste na guerra por outros meios, a invertermos uma célebre formulação. E na guerra, sabemos, o limite é a destruição do inimigo, a causa, a ineficiência na administração de conflitos e o resultado, o terror, a dor e o atavismo da barbárie.