MARTIN HEIDEGGER I - SER E TEMPO
HEIDEGGER, Martin. O Ser e o Tempo. Parte I. Tradução Márcia Sá Cavalcante Shuback. São Paulo: Editora Vozes, 2005. § 1-8, p. 27 -71.
Martin Heidegger foi um filósofo que construiu sua filosofia a partir da fenomenologia de Edmund Husserl. Uma das dificuldades que os leitores de Heidegger encontram é o arsenal vocabular do qual ele se vale para desenvolver o enredo de sua obra. O autor cria uma terminologia própria e específica para construir sua filosofia, o que exige aplicação e esforço de quem busca compreendê-lo. Sua obra principal foi dedicada à busca do entendimento pelo que é o ser. Psicólogos usam sua filosofia hoje em dia para identificar pacientes que estejam vivendo sufocados e esmagados por conjecturas da vida, conjecturas essas que acabaram por levá-lo pra tão longe daquilo que eles realmente eram, que o simples viver se tornou uma tarefa penosa e angustiante. Segundo Heidegger, essa situação se dá devido ao fato de o ser possuir uma essência que é anterior ao indivíduo em pessoa, e é justamente quando o ser vem ao mundo sem ser consultado sobre suas vontades ou predileções, que ele acaba por esquecer do seu ser essencial e é objetificado, uma vez que o tempo, as circunstâncias existenciais, as conjecturas do meio em que se vive, acabam por forjá-lo e coisificá-lo.
Uma analogia que me vem à mente é a do experimento da fenda dupla, famoso na física quântica, onde partículas de átomos são lançadas contra uma parede, tendo que atravessar uma placa com duas fendas. Em um primeiro momento, toda a extensão da parede é bombardeada pelas partículas, como se o feixe de partículas se comportasse como uma onda, uma onda de possibilidades. No entanto, quando há um observador, esse comportamento muda e as partículas deixam de se comportar como ondas, se comportando como matéria e marcando a parede por detrás das fendas nos exatos locais por onde atravessaram a fenda. O que se verifica nessa experiência é que, embora partículas se comportem como feixes de possibilidades, o observador acaba por dissipar essas possibilidades em uma única realidade! Trazendo analogicamente esse fato científico para a filosofia heideggeriana, no caso do “ser aí” de Heidegger, embora ele carregue consigo todas as potencialidades, não são todas as possibilidades que acabam por se tornarem reais, mas somente aquelas que o contexto temporal constrói. O tempo, nesse sentido, é como se fosse o observador que dissolve as possibilidades do ser em momentos de agora, e acaba por fazer dele um ente.
Ainda assim, quando o ser se torna um “ser aí”, ou um “ser no mundo”, descrito por Heidegger pelo termo alemão intraduzível “Dasein”, o ser ainda possui em sua essência as suas potencialidades, e, concordando com Heráclito, o indivíduo pode mudar a todo instante, deixando de ser aquilo que é e voltar à sua essência.
Seguindo esse pensamento, é a manifestação do ser no fluxo do tempo que o massifica e o entifica, o distanciando de todas as potencialidades daquilo que ele poderia ser, ou até mesmo poderia querer ser, tudo por força dos condicionantes externos, como a época em que o ser se manifestou, o contexto social em que foi inserido, a localização geográfica de sua existência, a condição econômica em que nasceu ou em que veio a viver e todas as demais mazelas que são determinantes e inerentes à existência humana. Ao se entificar pelo contexto existencial ou pelo coletivo social, o ser é sufocado, distanciado e esquecido, o que deságua em uma existência agonizante, angustiante, superficial e, como escreveu Heidegger em sua obra, em uma existência “inautêntica”.
Por fim, quando se aproxima do horizonte de temporalidade e já bem próximo da morte, o indivíduo se torna um “ser para a morte”, de sorte que, quando morto, o ser retorna à sua essência, e pode ter, novamente, seus predicados adjetivados pelo verbo ser no presente do indicativo: o ser agora “é”. Embora todas suas potencialidades tenham morrido com ele, ele deixou de ser entificado pelo horizonte temporal. A partir da morte há propriedade e legitimidade para, ratificando o já dito, se referir a um ser usando o verbo ser no presente: “ele é”, pois houve um retorno ao ser em essência. Quando, enfim, o indivíduo retorna à sua essência, há um reencontro com o ser ontológico, e o indivíduo reencontra sua verdadeira essência.
A atitude que é provocada em quem conhece a filosofia heideggeriana é a de dar início a uma investigação interna, a uma jornada dentro do seu próprio ser, buscando nos recôncavos mais obscuros de sua alma por sua verdadeira essência, tentando localizar qual encruzilhada em que se perdeu, quando foi que deixou de ser ele mesmo, quando foi que desistiu de acreditar naquilo que defendia, quais as razões que o levaram a abandonar seus sonhos, e principalmente, quando foi que se perderam de si mesmos e começaram a viver uma vida que não era deles. Heidegger ainda registra em sua obra que ao sentir a aproximação da morte, o indivíduo se prepara para retornar à sua verdadeira essência, àquilo que ele é no sentido ontológico, pois uma vez dado o último suspiro, não há mais perspectiva de mudança, cessam todas as possibilidades, todas as potencialidades, e o que sobra é a essência primitiva do indivíduo. É realmente triste que muitas vidas tenham que se angustiar pela morte depois de ter vivido uma vida objetificada pelo tempo e pelo contexto em que foi inserido.
Mas, ressalvado o panorama geral, voltamos ao nosso objetivo principal, que é detalhar a introdução do livro de Martin Heidegger e escrever em sucintas palavras como ele apresenta sua obra aos leitores e como ele anuncia a forma como embasará sua filosofia. Heidegger inicia escrevendo que se faz necessário um revisionismo da metafísica, já que há tempos o seu progresso vem obscurecendo a problemática do ser, e com isso ela vem sendo desprezada pelos filósofos. Embora outros tenham se esforçado para entender o ser, esse assunto foi pormenorizado, trivializado e subestimado. Ao encarar o problema do ser, Heidegger vê a necessidade de tornar claro o conceito do ser antes de partir para as respostas. Essa sistematização expõe a filosofia pura do autor, que não se precipita em responder antes de saber exatamente o que está sendo perguntado e se ele próprio entendeu e sabe sobre o que se está falando. É justamente nesse esforço filosófico que são derrubados os preconceitos e as ideias falsas que podem habitar sorrateiramente a mente de quem se dispõe a solucionar problemas filosóficos; esse perfeccionismo metodológico é um dos vários motivos que colocou “Ser e Tempo” na estante dos maiores livros da história, não só da filosofia, mas da literatura mundial.
O esclarecimento do que é o ser foi, de acordo com Heidegger, tratado como supérfluo por todos os filósofos, a partir dos gregos, até chegar a um ponto em que essa omissão foi considerada normal e aceitável no meio filosófico. Essa situação a que chegou o ser foi concebida na ideia de que o ser é um conceito universal e vazio, dispensável de análise e pormenorização. A complexidade do que é o ser cria situações onde um indivíduo se refere ao ser como um conceito tido por óbvio a ele mesmo, e acaba por entrar em um diálogo com um segundo indivíduo que se propõe a falar também sobre o ser, tendo, também, por óbvia a sua definição para ele mesmo, mesmo que para ambos as ideias sobre o ser e as definições que cada um carrega em seu próprio entendimento sejam completamente distintas, fazendo com que a obviedade que cada um traz consigo passe despercebida e se inicie uma discussão que beira a loucura.
Heidegger trata logo de definir que o ser não pode ser tratado como um ente, mas como ser que é, carecendo de uma abordagem especial, diferenciada da que é dada a objetos. Pondera ainda o autor que o fato de o ser ter a característica de ser indefinível não legitima a procrastinação do problema. Pensando assim, Heidegger lança como princípio a ideia de que o olhar subjetivo que lançamos sobre o mundo buscando extrair da realidade seus atributos e conceituá-los, fechando o conhecimento que obtemos em uma caixa e dando por acabada a tarefa de conhecer é um procedimento e um comportamento que deve ser evitado quando o que está em análise é o ser.
Depois de limpar o caminho, tirando as confusões que atrapalham não só a resposta, mas principalmente a pergunta acerca do ser, Heidegger desbrava ainda mais sua trilha ao distinguir o caráter ôntico do caráter ontológico dos entes. É indispensável que na análise do ser seja levado em conta o aspecto transcendental que o compõe, a razão eterna que fundamenta a existência do ser que vem ao mundo. O autor trata filosoficamente do mundo das essências, especialmente da razão que torna a realidade possível. Ora, antes de existir um quadrado, já era forçoso que ele tivesse quatro lados, antes de existir um triângulo, já estava determinado que ele tivesse três lados, assim, todas as equações matemáticas não foram se resolvendo aleatoriamente e acidentalmente no decurso da história e da manifestação da realidade, mas, antes da manifestação física, algo já sustentava toda a ordem do mundo. Essa mesma ordem e razão precedentes à realidade se aplicam ao ser: antes do ser se manifestar fisicamente no mundo, algo já o sustentava como essência e principalmente, nas palavras de Heidegger, como possibilidade. É a esse ser em essência que Heidegger quer dirigir sua atenção, levando-o em conta quando analisar o ser já manifesto no mundo e no tempo, então mesclado a distorcido por toda a sorte de agentes mundanos.
Em seguida, Heidegger aponta a falência de todas as filosofias que tentaram explicar o que é o ser, desde os pré-socráticos até Hegel. Não tendo onde se apoiar, nem uma linha filosófica para seguir, o filósofo comemora a existência de seu amigo Edmund Husserl, pois foi ele que criou o método fenomenológico, e é graças a esse método que Heidegger pode, agora, caminhar por terras nunca antes visitadas em todo o vasto arcabouço filosófico. Sendo fiel ao seu estilo único, Heidegger esmiúça em detalhes o que é a fenomenologia inaugurada por Husserl, recorrendo às mais primitivas menções dos termos que compõem a palavra fenomenologia, “fenômeno” e “logos”.
Encerrando o segundo capítulo de sua introdução, o autor descreve qual caminho trilhará em busca de respostas, anunciando que considerará a presença manifesta do ser no mundo e sua articulação com o tempo, uma vez que é no tempo que o ser se mostra, permitindo-se ser analisado e conhecido. Por fim, o autor anuncia que dialogará com a filosofia cartesiana, com a filosofia medieval e recorrerá, também, a Aristóteles, para saber desses sábios filósofos tudo aquilo que dantes já foi examinado sobre o tempo para, então, casar com sua análise ontológica, formando assim a obra que ele denomina “Ser e Tempo”.
Martin Heidegger foi um filósofo que construiu sua filosofia a partir da fenomenologia de Edmund Husserl. Uma das dificuldades que os leitores de Heidegger encontram é o arsenal vocabular do qual ele se vale para desenvolver o enredo de sua obra. O autor cria uma terminologia própria e específica para construir sua filosofia, o que exige aplicação e esforço de quem busca compreendê-lo. Sua obra principal foi dedicada à busca do entendimento pelo que é o ser. Psicólogos usam sua filosofia hoje em dia para identificar pacientes que estejam vivendo sufocados e esmagados por conjecturas da vida, conjecturas essas que acabaram por levá-lo pra tão longe daquilo que eles realmente eram, que o simples viver se tornou uma tarefa penosa e angustiante. Segundo Heidegger, essa situação se dá devido ao fato de o ser possuir uma essência que é anterior ao indivíduo em pessoa, e é justamente quando o ser vem ao mundo sem ser consultado sobre suas vontades ou predileções, que ele acaba por esquecer do seu ser essencial e é objetificado, uma vez que o tempo, as circunstâncias existenciais, as conjecturas do meio em que se vive, acabam por forjá-lo e coisificá-lo.
Uma analogia que me vem à mente é a do experimento da fenda dupla, famoso na física quântica, onde partículas de átomos são lançadas contra uma parede, tendo que atravessar uma placa com duas fendas. Em um primeiro momento, toda a extensão da parede é bombardeada pelas partículas, como se o feixe de partículas se comportasse como uma onda, uma onda de possibilidades. No entanto, quando há um observador, esse comportamento muda e as partículas deixam de se comportar como ondas, se comportando como matéria e marcando a parede por detrás das fendas nos exatos locais por onde atravessaram a fenda. O que se verifica nessa experiência é que, embora partículas se comportem como feixes de possibilidades, o observador acaba por dissipar essas possibilidades em uma única realidade! Trazendo analogicamente esse fato científico para a filosofia heideggeriana, no caso do “ser aí” de Heidegger, embora ele carregue consigo todas as potencialidades, não são todas as possibilidades que acabam por se tornarem reais, mas somente aquelas que o contexto temporal constrói. O tempo, nesse sentido, é como se fosse o observador que dissolve as possibilidades do ser em momentos de agora, e acaba por fazer dele um ente.
Ainda assim, quando o ser se torna um “ser aí”, ou um “ser no mundo”, descrito por Heidegger pelo termo alemão intraduzível “Dasein”, o ser ainda possui em sua essência as suas potencialidades, e, concordando com Heráclito, o indivíduo pode mudar a todo instante, deixando de ser aquilo que é e voltar à sua essência.
Seguindo esse pensamento, é a manifestação do ser no fluxo do tempo que o massifica e o entifica, o distanciando de todas as potencialidades daquilo que ele poderia ser, ou até mesmo poderia querer ser, tudo por força dos condicionantes externos, como a época em que o ser se manifestou, o contexto social em que foi inserido, a localização geográfica de sua existência, a condição econômica em que nasceu ou em que veio a viver e todas as demais mazelas que são determinantes e inerentes à existência humana. Ao se entificar pelo contexto existencial ou pelo coletivo social, o ser é sufocado, distanciado e esquecido, o que deságua em uma existência agonizante, angustiante, superficial e, como escreveu Heidegger em sua obra, em uma existência “inautêntica”.
Por fim, quando se aproxima do horizonte de temporalidade e já bem próximo da morte, o indivíduo se torna um “ser para a morte”, de sorte que, quando morto, o ser retorna à sua essência, e pode ter, novamente, seus predicados adjetivados pelo verbo ser no presente do indicativo: o ser agora “é”. Embora todas suas potencialidades tenham morrido com ele, ele deixou de ser entificado pelo horizonte temporal. A partir da morte há propriedade e legitimidade para, ratificando o já dito, se referir a um ser usando o verbo ser no presente: “ele é”, pois houve um retorno ao ser em essência. Quando, enfim, o indivíduo retorna à sua essência, há um reencontro com o ser ontológico, e o indivíduo reencontra sua verdadeira essência.
A atitude que é provocada em quem conhece a filosofia heideggeriana é a de dar início a uma investigação interna, a uma jornada dentro do seu próprio ser, buscando nos recôncavos mais obscuros de sua alma por sua verdadeira essência, tentando localizar qual encruzilhada em que se perdeu, quando foi que deixou de ser ele mesmo, quando foi que desistiu de acreditar naquilo que defendia, quais as razões que o levaram a abandonar seus sonhos, e principalmente, quando foi que se perderam de si mesmos e começaram a viver uma vida que não era deles. Heidegger ainda registra em sua obra que ao sentir a aproximação da morte, o indivíduo se prepara para retornar à sua verdadeira essência, àquilo que ele é no sentido ontológico, pois uma vez dado o último suspiro, não há mais perspectiva de mudança, cessam todas as possibilidades, todas as potencialidades, e o que sobra é a essência primitiva do indivíduo. É realmente triste que muitas vidas tenham que se angustiar pela morte depois de ter vivido uma vida objetificada pelo tempo e pelo contexto em que foi inserido.
Mas, ressalvado o panorama geral, voltamos ao nosso objetivo principal, que é detalhar a introdução do livro de Martin Heidegger e escrever em sucintas palavras como ele apresenta sua obra aos leitores e como ele anuncia a forma como embasará sua filosofia. Heidegger inicia escrevendo que se faz necessário um revisionismo da metafísica, já que há tempos o seu progresso vem obscurecendo a problemática do ser, e com isso ela vem sendo desprezada pelos filósofos. Embora outros tenham se esforçado para entender o ser, esse assunto foi pormenorizado, trivializado e subestimado. Ao encarar o problema do ser, Heidegger vê a necessidade de tornar claro o conceito do ser antes de partir para as respostas. Essa sistematização expõe a filosofia pura do autor, que não se precipita em responder antes de saber exatamente o que está sendo perguntado e se ele próprio entendeu e sabe sobre o que se está falando. É justamente nesse esforço filosófico que são derrubados os preconceitos e as ideias falsas que podem habitar sorrateiramente a mente de quem se dispõe a solucionar problemas filosóficos; esse perfeccionismo metodológico é um dos vários motivos que colocou “Ser e Tempo” na estante dos maiores livros da história, não só da filosofia, mas da literatura mundial.
O esclarecimento do que é o ser foi, de acordo com Heidegger, tratado como supérfluo por todos os filósofos, a partir dos gregos, até chegar a um ponto em que essa omissão foi considerada normal e aceitável no meio filosófico. Essa situação a que chegou o ser foi concebida na ideia de que o ser é um conceito universal e vazio, dispensável de análise e pormenorização. A complexidade do que é o ser cria situações onde um indivíduo se refere ao ser como um conceito tido por óbvio a ele mesmo, e acaba por entrar em um diálogo com um segundo indivíduo que se propõe a falar também sobre o ser, tendo, também, por óbvia a sua definição para ele mesmo, mesmo que para ambos as ideias sobre o ser e as definições que cada um carrega em seu próprio entendimento sejam completamente distintas, fazendo com que a obviedade que cada um traz consigo passe despercebida e se inicie uma discussão que beira a loucura.
Heidegger trata logo de definir que o ser não pode ser tratado como um ente, mas como ser que é, carecendo de uma abordagem especial, diferenciada da que é dada a objetos. Pondera ainda o autor que o fato de o ser ter a característica de ser indefinível não legitima a procrastinação do problema. Pensando assim, Heidegger lança como princípio a ideia de que o olhar subjetivo que lançamos sobre o mundo buscando extrair da realidade seus atributos e conceituá-los, fechando o conhecimento que obtemos em uma caixa e dando por acabada a tarefa de conhecer é um procedimento e um comportamento que deve ser evitado quando o que está em análise é o ser.
Depois de limpar o caminho, tirando as confusões que atrapalham não só a resposta, mas principalmente a pergunta acerca do ser, Heidegger desbrava ainda mais sua trilha ao distinguir o caráter ôntico do caráter ontológico dos entes. É indispensável que na análise do ser seja levado em conta o aspecto transcendental que o compõe, a razão eterna que fundamenta a existência do ser que vem ao mundo. O autor trata filosoficamente do mundo das essências, especialmente da razão que torna a realidade possível. Ora, antes de existir um quadrado, já era forçoso que ele tivesse quatro lados, antes de existir um triângulo, já estava determinado que ele tivesse três lados, assim, todas as equações matemáticas não foram se resolvendo aleatoriamente e acidentalmente no decurso da história e da manifestação da realidade, mas, antes da manifestação física, algo já sustentava toda a ordem do mundo. Essa mesma ordem e razão precedentes à realidade se aplicam ao ser: antes do ser se manifestar fisicamente no mundo, algo já o sustentava como essência e principalmente, nas palavras de Heidegger, como possibilidade. É a esse ser em essência que Heidegger quer dirigir sua atenção, levando-o em conta quando analisar o ser já manifesto no mundo e no tempo, então mesclado a distorcido por toda a sorte de agentes mundanos.
Em seguida, Heidegger aponta a falência de todas as filosofias que tentaram explicar o que é o ser, desde os pré-socráticos até Hegel. Não tendo onde se apoiar, nem uma linha filosófica para seguir, o filósofo comemora a existência de seu amigo Edmund Husserl, pois foi ele que criou o método fenomenológico, e é graças a esse método que Heidegger pode, agora, caminhar por terras nunca antes visitadas em todo o vasto arcabouço filosófico. Sendo fiel ao seu estilo único, Heidegger esmiúça em detalhes o que é a fenomenologia inaugurada por Husserl, recorrendo às mais primitivas menções dos termos que compõem a palavra fenomenologia, “fenômeno” e “logos”.
Encerrando o segundo capítulo de sua introdução, o autor descreve qual caminho trilhará em busca de respostas, anunciando que considerará a presença manifesta do ser no mundo e sua articulação com o tempo, uma vez que é no tempo que o ser se mostra, permitindo-se ser analisado e conhecido. Por fim, o autor anuncia que dialogará com a filosofia cartesiana, com a filosofia medieval e recorrerá, também, a Aristóteles, para saber desses sábios filósofos tudo aquilo que dantes já foi examinado sobre o tempo para, então, casar com sua análise ontológica, formando assim a obra que ele denomina “Ser e Tempo”.