"Juliano Pavollini" de Cristóvão Tezza: personagens complexas e interessantes em um romance muito bom

Livro "Juliano Pavollini", romance do escritor catarinense Cristóvão Tezza, publicado originalmente em 1991.

Nota inicial: resenha com spoilers.

A obra conta a história de Juliano, adolescente que mora no interior do Paraná e, após a morte do pai, homem severo e religioso, nunca plenamente satisfeito com as conquistas do filho, foge para a capital Curitiba, abandonando a família. Durante a viagem, conhece no ônibus Isabela, mulher bela, madura e rica, que o acolhe, levando-o para morar num bordel, onde interage com prostitutas e ladrões.

Esse resumo lembra um pouco a própria história de Tezza. Afinal, ele nasceu em Lages (SC) mas mudou-se, com oito anos de idade, para Curitiba (PR), onde viveu deste então. A capital paranaense é cenário de boa parte de seus romances como, por exemplo, "Trapo" (1988), "O fantasma da infância" (1992), "Uma noite em Curitiba" (1995), "O fotógrafo" (2004), e o livro foco desta resenha. Da mesma forma que ler Luiz Ruffato é como visitar São Paulo e, ler Roberto Drummond, é o mesmo que visitar Belo Horizonte, as linhas de Tezza conduzem pelo Paraná, seus pontos relevantes e outros nem tanto.

A escrita de Tezza é elegante, sem rebuscamentos, focando na interação de seus personagens. Não há explicações sobre suas motivações, estando essas nas entrelinhas ou deixadas propositalmente em aberto. Isso é interessante pois traz um tom realista, próximo da realidade, visto que as qualidades e, principalmente, os defeitos, são expostas abertamente.

O olhar do leitor ou, por assim dizer, o olhar crítico, fica a cargo da personagem Clara, psicóloga, para quem Juliano, o narrador, relata a história de sua vida, em uma prisão onde cumpre pena. Tal relato divide o livro em duas partes bem distintas. Na primeira, vemos a infância até o fim da adolescência. No segundo momento, temos Juliano já ambientado na nova realidade.

Ao narrar sua história, Juliano busca algum tipo de redenção. Ele diz:

"Com o passar do tempo, o tempo perde o brilho, massa flutuante, uma ponta aqui e outra lá, entre os vazios. Quanto mais nos afastamos, mais tudo fica igual a tudo. Perdemos senso, nitidez, ângulos; perdemos a fúria. Há quem chame isso sabedoria. Se nos afastamos ainda mais, olhando para um passado que está em lugar nenhum, mas que nos lanha, queremos morrer, e também isso parece sabedoria. E há os que se aferram desesperados ao que foram, ou poderiam ter sido - passamos a vida escutando os gritos desses loucos."

Há uma abordagem implícita sobre o egoísmo e a maturidade, no romance de Tezza, o que explica (e não justifica) certas decisões e miopias. A mensagem que fica é que ambas as características levam a uma natural falta de empatia e inconsequência.

Uma outra abordagem, mais poética, no romance, é a de que o amor pode se manifestar onde menos se espera. O sentimento puro pode ser encontrado na luxúria.

Uma terceira abordagem, mais psicológica, é a de que os traumas e experiências passadas podem definir nossas ações presentes.

Enfim, abordagens possíveis para se entender motivações de personagens que, por serem realistas, a tornam complexas. No fundo, seríamos espelhos, passíveis de sermos facilmente interpretados? Difícil dizer.

Tezza é um dos grandes nomes da literatura nacional contemporânea. Escrita elegante, por vezes poética, é literatura em alto nível. Um livro envolvente, com personagens complexos e interessantes.

Para finalizar, "Juliano Pavollini" possui, há anos, um projeto de adaptação para cinema, que nunca é finalizado. Uma pena pois daria um filme muito bom.

(TEZZA, Cristovão. Juliano Pavollini. Rio de Janeiro: Record, 2010, 4ª edição, 240 páginas)

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Manoel Frederico
Enviado por Manoel Frederico em 23/12/2019
Código do texto: T6825111
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