Uns Braços (Várias Histórias) - de Machado de Assis
Um conto singelo de Machado de Assis, escritor que, muita gente entende, era desprovido de imaginação, e dono de uma obra que peca pela ausência de paixões humanas, no dizer daqueles que não a apreciam. Uns Braços, do volume Várias Histórias, impressiona todo leitor sensível. É seu tema a paixão platônica de um jovem de quinze verões pelos braços de uma mulher de vinte e sete primaveras. Este é o fio condutor do enredo. Em certo trecho da aventura, revela-se a confusão de sentimentos da mulher pelo jovem que lhe admira, apaixonado, os braços. Sente-se a mulher amada, e insegura, ao saber do amor que ele lhe tem. É o herói da história, Inácio; e o objeto de sua paixão, D. Severina, que vive maritalmente com Borges. A vida do jovem Inácio, que mora na casa de Borges, para quem trabalha, é solitária, rotineira, entediante, e dela ele pretende fugir, indo-se embora; todavia, ele, atraído pelos braços de D. Severina, permanece na casa, aturando os impropérios e as descomposturas do irascível, grosseiro e mal-humorado Borges, sujeito intragável. Sob as ordens deste, desimcumbe-se - nem sempre a contento, pois mergulha, com frequência, em devaneios nos quais se perde, gostosamente, animando-os os braços nus de D. Severina - Inácio de seus afazeres, nas visitas a cartórios, em suas relações com distribuidores, escrivães e oficiais de justiça. Um dia, D. Severina, pensativa, suspeita da causa da distração de Inácio; e esforça-se para afastar de si tal suspeita -, em vão, pois a realidade lha confirma. Modifica, a partir de então, o seu trato com o jovem Inácio; com rispidez responde-lhe; e por poucos dias conserva tal postura; logo põe-se a tratá-lo com desvelo de mãe e carinho de irmã mais velha. Em um certo domingo, dormia a sono solto Inácio, estendido, em seu quarto, numa rede, a porta aberta, e à porta pôe-se D. Severina, que fica a observá-lo em sono profundo. E sonhava Inácio. E era D. Severina a sílfide que lhe animava o sonho, que lhe traduzia os mais íntimos desejos. E no sonho colaram-se os lábios de Inácio e os de D. Severina. E não apenas no sonho. Foi simultâneo, no sonho e na realidade, o beijo. E para Inácio existiu o sonho, o sonho unicamente, sonho do qual recordaria, muitos anos depois, com agrado.
Neste conto, Machado de Assis conserva-se num plano mais elevado do que o nos quais se encontram os seus rivais. Não desce ao sentimentalismo insensato ao descrever o que vai na alma dos amantes, recheando-o de imagens piegas para traduzir os sentimentos das suas personagens, e tampouco é vulgar na exposição de cenas que animam a imaginação lúbrica de Inácio, jovem de quinze anos cuja mente concebe cenas repletas de luxúria, sob inspiração da figura de uma bela mulher pródiga de encantos; limita-se a descrever-lhe o que lhe vai no espírito, sem a pieguice e excesso de sentimentalismo dos românticos exaltados e sem a vulgaridade obscena dos realistas depravados.
Nesta segunda década do século vinte e um, época em que as mulheres exibem, publicamente, as costas, os pés, as pernas, a barriga, as coxas, e não apenas a cabeça, as mãos e os braços, e as desinibidas, ausentes de pudor, desembaraçadas, seminuas, expõem, e não unicamente no litoral, durante um banho de sol, mas em qualquer ambiente, o corpo, constrangendo os que lhes fitam, o criador de Simão Bacamarte, se vivo, jamais escreveria um conto tão singelo. Talvez.