Pele negra, máscaras brancas, de Fanon
Frantz Omar Fanon, (1925/ 1961), foi um psiquiatra e ensaísta francês da Martinica de ascendência francesa e africana. Envolveu-se na luta pela independência da Argélia, tendo, inclusive, lutado junto às forças de resistência durante a II Guerra Mundial. Foi também um influente pensador do século XX sobre os temas da descolonização e da psicopatologia da colonização. Analisou as consequências psicológicas da colonização, tanto para o colonizador quanto para o colonizado, e o processo de descolonização, considerando seus aspectos sociológicos, filosóficos e psiquiátricos. Suas obras refletem a influência que ele sofreu desses movimentos revolucionários dos quais participou ativamente. Dentre essas obras, tomamos Pele negra, máscaras brancas, em especial, os capítulos “O negro e a linguagem”, “Sobre o pretenso complexo de dependência do colonizador” e “Á guisa de conclusões” como objeto deste comentário.
É como um ser de linguagem, essencializado pela singular e máxima tipificação, que o negro é considerando por Fanon no início da obra, “uma vez que falar é existir absolutamente para o outro” (p. 33).
O autor transita ora na questão da linguagem, ora na questão da língua, sem negligenciar o processo de aquisição dessa língua (francesa, obviamente). Nesse sentido, língua e linguagem são postas, de certa forma, como sinônimas e passam a evidenciar o cárter de discurso propriamente dito.
Fanon, então apresenta o problema que será abordado no capítulo “o negro antilhano será tanto mais branco, isto é, se aproximará mais do homem verdadeiro, na medida em que adotar a língua francesa” (p. 34). Fanon propõe uma fenomenologia do “ser negro”, da consciência negra. Fato, aliás, repelido no capítulo A experiência vivida do negro, em que fala da própria vivência, e de como é ser uma “tripla pessoa”. Nesse ponto, ele examina “a denegação como algo sintomático em muitas pessoas negras”.
Fortemente influenciado pelas leituras que faz de Sartre, Fanon não se considera poeta ou crítico de poesia, mas entende que “Um homem que possui a linguagem possui, em contrapartida, o mundo que essa linguagem expressa e que lhe é implícito (p.34)” e que, portanto, poderá ser um indivíduo situado no lugar. Por isso, enfatiza ele, “é importante que o negro antilhano tome posição diante da linguagem.”
Novamente, o problema não se situa, mais uma vez, no nível da linguagem, como uma faculdade, mas mais propriamente no nível da língua. Isso porque não somente o Negro é “dito”, e assim objetificado, coisificado, alienado. E quando ele toma a palavra, não o pode fazer sem a língua do Outro, sem a língua francesa, língua do Branco. É o petit-nègre e/ou y’ a bon banania.
Fanon explica que o fenômeno da linguagem é muito importante nesse processo de alienação porque falar significa “empregar uma certa sintaxe, possuir a morfologia de tal ou qual língua, mas é sobretudo assumir uma cultura, suportar o peso de uma civilização” (p. 33). Nesse sentido, “o negro antilhano será tanto mais branco, isto é, se aproximará mais do homem verdadeiro, na medida em que adotar a língua francesa” (p.33).
O colonizado é levado a sentir-se obrigado a deixar sua cultura e sua própria língua de lado para adotar a linguagem do senhor civilizador, pois “Falar uma língua é assumir um mundo, uma cultura. O antilhano que quer ser branco o será tanto mais na medida em que tiver assumido o instrumento cultural que é a linguagem. ” (p. 51). Até as famílias antilhanas são levadas a rechaçar a própria língua e os falares derivados dos contatos de colonizados e colonizadores. (créole)
Continuando as discussões, Fanon pontua como a alienação dos sistemas coloniais geram no povo negro (e no próprio colonizador) complexos de diferentes maneiras. E afirma de modo categórico: “é o racista que cria o inferiorizado” (p. 90)
Assim, nesse emaranhado de complexos “o branco obedece a um complexo de autoridade, a um complexo de chefe, enquanto que o malgaxe obedece a um complexo de dependência”. (p. 94) Isto é, o branco está fechado na sua brancura, o negro na sua negrura.
Fanon conclui suas reflexões afirmando que “Não existe missão negra. Não existe fardo branco” (p. 189) [...]A desgraça do homem de cor é ter sido escravizado. A desgraça e a desumanidade do branco consistem em ter matado o homem em algum lugar [...] mas, eu, homem de cor, na medida em que me é possível existir absolutamente, não tenho o direito de me enquadrar em um mundo de reparações retroativas. Eu, homem de cor, só quero uma coisa: Que jamais o instrumento domine o homem. Que cesse para sempre a servidão do homem pelo homem. (p. 190-191)
Referência:
FANON, Frantz. Pele negra, máscaras brancas. Salvador: EDUFBA, 2008.