As viagens de Gulliver e a condição humana

As viagens de Gulliver e a condição humana

Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

Jonathan Swift publicou Viagens de Gulliver em 1726. É um livro encantador, irônico e sempre contemporâneo. Swift nasceu na Irlanda. Exerceu o ministério religioso como pastor protestante. Ao fim da vida, sofreu de Alzheimer. Viagens de Gulliver é paródia de livros de viagem, moda literária do início do século XVIII. O personagem principal, Lemuel Gulliver, era um médico inglês, cirurgião em navios comerciais, que após alguns naufrágios aportou em lugares estranhos. São quatro grandes viagens que compõem o livro. Em cada um desses lugares pode-se perceber a imperfeição de nossa condição humana. Swift a denunciou.

A primeira aventura tem início quando Gulliver acorda após um naufrágio. Ele se vê enlaçado por pequeníssimas cordas. Está em Lilliput. Os habitantes da região são minúsculos; Gulliver vê-se como um gigante. Tentou fugir, porém incomodou-se com imensidão de pequenas flechas. Gulliver era atacado pelos lilliputianos, homens em miniatura. Na medida em que ganhava a confiança daquelas estranhíssimas e pequenas figuras, Gulliver percebeu costumes estranhos. Políticos buscavam apoio popular e para tal pulavam cordas. Pular cordas era uma forma de oscilar, o que ocorria quando mudavam de opinião. Discutia-se muito como deveriam ser quebrados os ovos. Era um grande problema para eles. Costumes ancestrais exigiam que se quebrassem os ovos por baixo, pela parte mais larga. Imperadores mais recentes desafiavam as tradições e insistiam que os ovos deveriam ser quebrados pela parte menor, isto é, por cima. Havia gente que preferia morrer a quebrar os ovos por cima...

Naquele estranho lugar, nos processos criminais, se os acusados conseguissem provar inocência os acusadores seriam condenados à morte. A ingratidão era um crime muito grave. A imagem da justiça, tal como reproduzida nos tribunais de Lilliput, era representada por seis olhos, uma bolsa de ouro (aberta) em uma imaginária mão direita, e uma espada na mão esquerda; mostrava-se maior disposição em se recompensar do que em punir.

Com a ajuda de um navio mercante inglês Gulliver fugiu dessa estranha ilha. Depois de passar pela Inglaterra e, de volta ao mar, foi deixado numa praia deserta por alguns marinheiros que saíram em busca de água fresca. Descobriu que estava numa terra de gigantes, Brobdingnag.

Reduzido a boneco de brinquedo pela filha de um fazendeiro arrogante, Gulliver viu-se atacado por ratos gigantes. A rainha comprou Gulliver e fez dele brinquedinho particular. Gulliver sentia-se humilhado com o tratamento. Em Brobdingnag a razão era o motivo da obediência das leis, e não a força.

As leis eram sumárias, não poderiam ultrapassar vinte e duas palavras, isto é, o equivalente o número de letras do alfabeto. As leis não usavam palavras desnecessárias ou de interpretação muito ampla, cada expressão deveria possuir significado unívoco.

Na terceira das viagens, após fugir de piratas, Gulliver foi salvo pelos habitantes de Laputa. Uma ilha imensa que flutuava no céu. Os habitantes da ilha cultivavam a música e a matemática. Filosofavam o tempo todo. Era uma terra de pensadores que não se incomodavam com a vida real. O paraíso dos intelectuais alienados.

Levado por outros piratas para outra ilha desconhecida, Gulliver chegou em Houyhnhumland, onde conheceu incríveis figuras cabeludas, os yahoos. Os yahoos pareciam-se muito com seres humanos.

Gulliver começou a aprender a língua de Houyhnhumland. Descobriu problemas de comunicação, os yahoos não tinham palavras para designar conceitos como crime, poder e governo. Não havia advogados, médicos ou políticos. Aceitava-se a morte, não se faziam velórios; o fim da vida natural. Ambiguidades e discussões sutis eram inexistentes. A noção de verdade e de falsidade não se relacionava com qualquer conceito europeu. Gulliver encontrava-se em perfeita harmonia.

Embora decidido a nunca mais voltar para a Europa, foi descoberto por alguns navegadores portugueses que o conduziram à Portugal. Desgostoso com os homens, saudoso dos yahoos, Gulliver preferia a sociedade dos cavalos. Embora se reconciliando com a esposa, Gulliver abandonou para sempre qualquer ligação com a espécie humana; tornou-se um misantropo.

Irritado com a civilização, cheio de benevolência para com o outro, defensor da educação feminina, crítico de doutores e de charlatães, da guerra e dos intelectuais, Gulliver buscava uma utopia que se encontrou nos yahoos, em cuja existência ainda encontrava um processo de algum modo civilizatório. Eram brutos em forma humana, o que supera, muito, os humanos em forma bruta, com os quais somos obrigados a conviver.

Arnaldo Godoy
Enviado por Arnaldo Godoy em 30/10/2019
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