Uma mão sempre arruma uma boa luva
É de senso comum e bom alvitre que que Machado de Assis é considerado um dos nossos melhores escritores. Em termos de ficção, ao menos, é o mais famoso. Nascido em 21 de junho de 1939, no Morro do Livramento que Joaquim Maria Machado de Assis nasceu. Era neto de libertos, seus pais eram o pintor Francisco de Assis e a portuguesa Maria Leopoldina Machado de Assis.
Aos seis anos, presenciou a morte de sua única irmã. Quatro anos depois, sua mãe falece. Seu pai casa-se uma segunda vez em 1854. Aos catorze anos, o jovem Machado de Assis trabalha para manter a casa com a madrasta, pois seu pai também falecera. Pouco se sabe da juventude machadiana, mas o que se sabe é que já nesta época o mulato sabia ler e escrever.
O adolescente suburbano do Rio de Janeiro tinha uma queda bela vida intelectual e da boêmia da cidade. A Rua do Ouvidor com suas livrarias e cafés chamavam-lhe a atenção. Queria ser participe daquele meio. Ascender socialmente. Ainda na juventude, como que atraído pelas letras, foi caixeiro de livraria, tipógrafo, revisor, logo após, inicia como cronista e jornalista.
Mas sua estreia foi com um poema, A palmeira, publicado no jornal Marmota Fluminense. Não por coincidência, seu primeiro livro publicado foi uma coletânea de poemas, Crisálidas (1864). Machado de Assis, à custa de muito esforço, pois era um homem de cor, ocupou diversos cargos públicos. Trabalhou na Secretária de Agricultura, foi membro da Ordem da Rosa, e diretor da Diretoria da Diretoria do Comércio em 1889.
Além de poeta, contista, romancista, dramaturgo, foi crítico, trabalhando inclusive como censor! Mas assim como Machado adorava dialogar com o leitor em suas sobras, que pensa o leitor desse devaneio biográfico? Para entendermos uma obra, devemos saber primeiro quem a produz, e quando a produz. Já dissemos quem, mas talvez nos falte o quando. E esse quando era o Rio de Janeiro de 1874.
O tráfico negreiro no Atlântico estava proibido por lei de 1850. A Lei do Ventre Livre estava em vigor desde 1871. A Guerra do Paraguai havia feito os seus estragos geopolíticos e na política interna brasileira. Havia um gérmen abolicionista que cresceria a partir dos finais da década de 70 do século XIX. O Imperador mantinha sua popularidade a todo custo, se tornando último elo das elites com a Monarquia.
O romance (ou seria melhor dizer: a novela) A mão e a luva é considerado uma das melhores obras machadianas. E das que já li, embora seja boa, é menos que Dom Casmurro ou um Memórias Póstumas de Brás Cubas. Até mesmo contos como O alienista me foram mais palatáveis e de sincero proveito que essa história da fase romântica de Machado de Assis, aos 35 anos, quando estava casado com a portuguesa Carolina Augusta Xavier Novais.
Aqui já se delineia muito do que se tornará estilo próprio do autor: uma leitura da alma feminina, ironia, determinismo, fatalismo, relativismo etc. O romantismo de Machado de Assis tem um ingrediente a mais que os outros livros dessa escola literária: a ambição dos amantes, motor primeiro das paixões que se legitimam. Os românticos, geralmente perdem o páreo na corrida dos corações.
A galeria de personagens é curta nesse drama. Começamos com dois amigos, Estêvão e Luís Alves, ambos estudantes. O primeiro apaixonado por Guiomar, uma órfã de pai e mãe, que busca se tornar professora. O romance entre os dois desanda, e por mais de dois anos sem se verem, encontram-se por acidente em chácara da baronesa, madrinha da jovem Guiomar.
A esse seleto grupo de personagens, adentram a baronesa, viúva que encontra em Guimar substituta da filha morta; seu sobrinho Jorge, um mancebo que deseja desposar a bela Guiomar e ter como herança as rendas da tia; Mrs. Oswald, viúva inglesa e intervencionista das questões familiares. Mas de todos, é Luís Alves que vai se sobressaindo, pois consegue ultrapassar Jorge no atalho do coração de Guimar. Estêvão de tão cego por sua paixonite aguda, não percebe nada que se processa ao redor.
Se um a ama mais por ambição egoísta, e o outro por cegueira deliberada, Luís Alves é o amante comedido que tendo consigo a paciência dos estrategos e as posses, resgata para si aquele coração que parece intocável, que ninguém parece suspirar. E nisto consiste a forma machadiana de romantismo, ama-se menos por fervor dos impulsos naturais como no naturalismo e mais por necessidades várias como a ascensão social.
Estêvão é o típico amante que exaspera em paixões fulminantes, é tolo e falto de juízo como diriam sem uma época. Parvo, pois não sabe ler nenhum sentimento no corpo e na voz da amada. Jorge, nem o coloco na conta de amante, seu amor é tecido pelas hábeis mãos da governanta inglesa. Essa última personagem merece papel de destaque, dissimula e se utiliza dos sentimentos alheios como boa manipuladora.
Confesso que o final foi inesperado da minha parte, mas não tive tanta emoção ou diversão como em outras leituras. O uso da gramática, da ortografia e de erudição são aqui de sorte que engrandecessem a leitura, sem pedantismo, há aqui força de quem passei nas palavras, as domina por completo. Se A mão e a luva está aquém de outras obras de Machado de Assis, ela está muito além de outras obras românticas, com suas relações açucaradas e agourentas.