Uma coletânea de Arthur Machen

UMA COLETÂNEA DE ARTHUR MACHEN
Miguel Carqueija

Resenha da coletânea “Arthur Machen, o meste do oculto” (subtítulo: “Histórias de Horror sobrenatural”). Editora Clock Tower, Brasil, 2017. Tradução e notas: Geraldo Campos. Organização: Denilson E. Ricci. Prefácio: S.T. Joshi. Bibliografia: Edgar Indalecio Smaniotto. Capa (foto do autor) e diagramação: Fábio Alexandre da Silva.

Eu tinha ouvido falar da importância de Arthur Machen (1863-1947), autor do País de Gales, como especialista em mistérios sobrenaturais, mas é a primeira vez que pude lê-lo. Sabe-se que ele exerceu grande influência na ficção de horror. Vejamos os trabalhos selecionados para esta caprichadíssima edição:
A LUZ INTERIOR (“The Inmost light”, 1894) — História passada em Londres e protagonizada por certo Dysson, que gosta de investigar mistérios — no caso, a desaparecida esposa de um médico. O que se consegue descobrir, pois tudo já vinha acontecendo, é que o médico, obcecado pelo desejo de descobrir coisas terríveis, retira a essência ou alma de sua esposa e em seu lugar coloca ou deixa entrar algum tipo de horror. O conto é desagradável, embora bem escrito, é longo e repleto de detalhes numa linguagem escorreita, como a de Lovecraft, mas o argumento soou forçado e deprimente.
A MÃO VERMELHA (“The red hand”, 1895) — Dysson reaparece, desta vez examinando indícios de que um troglodita de verdade, pré-histórico, esteja matando em Londres. “O troglodita e o morador do lago, talvez representantes de raças mais antigas, podem, muito provavelmente, estar nos observando em nosso meio, caminhando ombro a ombro com gente elegantemente vestida, rugindo como lobos e fervendo com as paixões abomináveis do pântano e da caverna escura.”
O que eu noto às vezes é que o fator horror frequentemente é introduzido de forma arbitrária, como se estivesse ali na esquina, prestes a pular em cima da gente. Escrever um horror não forçado é algo que Edgar Allan Poe sabia fazer e muito bem; Machen é ótimo redator mas no conteúdo das suas obras não vejo a mesma naturalidade.
A PIRÂMIDE RELUZENTE (“The shining pyramid”, 1895) — Aqui Dysson investiga um caso muito estranho relatado pelo seu amigo Vaughan, sobre uma menina chamada Annie Trevor, misteriosamente desaparecida numa região britânica rural, e que teria sido levada pelas fadas, ou o “povo pequeno”, que afinal é apresentado como uma coisa hedionda com elementos de lascívia. A história é pavorosa em suas implicações e dá a entender uma total impotência humana diante de forças sobrenaturais. Uma vez li que o terror sugere isto de fato: a destruição de tudo e de todos. Vai contra a minha natureza aceitar isso, apesar do estilo seguro e castiço de Machen.
AO ABRIR AS PORTAS (“Opening the door”, 1931) — Um repórter refere o mistério de Secreten Jones (?), um clérigo que certo dia, numa visão, previu a destruição de Londres por conta do progresso. Isto se passava em 1907; era o início da mecanização dos transportes e os automóveis ainda eram raridade:
“Ele chamou a atenção para o fato de que nem as ruas e nem as casas que as ladeavam foram construídas para suportar o peso e as vibrações provocadas pelo tráfego que chegava. Ele derrubou todas as lojas de Oxford Street e de Piccadilly, reduzindo-as a pó, rachou a cúpula da Catedral de São Paulo, derrubou a Abadia de Westminster e reduziu o prédio da Corte de Justiça a escombros. O que sobrou foi destruído pelo fogo, por inundações e por epidemias (...).”
A história deriva então para o desaparecimento misterioso desse “profeta do caos”. Acabou sendo uma história de paradoxo temporal e sugestão da existência de outras dimensões. Vale a pena ler, como os outros trabalhos de Machen.
O POVO BRANCO (“The white people”, 1904) — Esta noveleta abracadabrante começa com um diálogo heterodoxo entre Ambrose e Cotgrane, que discutem questões filosóficas sobre o bem e o mal, a natureza do pecado e da santidade. Em seguida vem a transcrição do “livro verde” onde uma menina dotada de estranhas percepções parte de sua casa perto da floresta para intermináveis e clandestinas jornadas a pé que a levavam a lugares encantados habitados pelo tal “povo branco”, além das histórias que a babá contava. O conto é longo e alucinatório de tão descritivo e detalhista.
O PÓ BRANCO (“The novel of the white powder”, 1895) — História terrível onde um homem se trata com um remédio aviado numa farmácia suspeita e torna-se presa de uma corrupção demoníaca. É uma dessas histórias onde não há lugar para a esperança.
O SINETE NEGRO (“The novel of the black seal”, 1895) — Um homem e uma mulher conversam e este começa a contar a estranha história de um cientista desaparecido, o Professor Gregg. Nos contos de Machen o mal e o obscuro são em geral exorbitantes. Aqui também. São descobertas que levam à destruição do ser humano.
O GRANDE DEUS PÃ “The great god Pan”, 1894) — Mais uma vez mistura-se a ciência com o horror. “Um simples rearranjo de certas células”, ou “uma leve incisão na matéria cinzenta”, diz o Dr. Raymond, para se poder “ser o deus Pã”, alegoria para perceber o que seria o verdadeiro mundo real, fora ou em volta do nosso mundo.
É interessante notar que esses cientistas da literatura de terror, além de serem super-orgulhosos ou vaidosos, também falam uma linguagem que não parece de cientista.
Raymond faz a experiência com certa jovem chamada Mary. Desnecessário é dizer que a experiência não dá certo e gera consequências terríveis e desdobramentos imprevisíveis. É típico do terror...
UM JOVEM BRILHANTE (“The bright boy”, 1936) — Joseph Last, jovem formado na Universidade de Oxford, torna-se professor e vai ser preceptor de um menino em região do interior inglês, perto do País de Gales. Posteriormente descobre que os pais estão envolvidos com atividades terríveis. Uma típica história de horror e muito bem redigida, mas falta a Machen a capacidade de enxugamento de um Edgar Allan Poe, que não precisava contar tanta coisa irrelevante para desenvolver suas narrativas. Poe centrava-se no necessário e dava bem mais certo.
Para os estudiosos da literatura de terror o livro de Machen é recomendável, mas não esperem dele em demasia.

Rio de Janeiro, 16 de outubro a 9 de novembro de 2017.