O BURRINHO PEDRÊS -SAGARANA- Guimarães Rosa
Somente agora, aos 57 anos de idade, resolvi ler com acuro Guimarães Rosa. Acredito que perdi tempo, deveria tê-lo feito antes, mas outros interesses impediram. Escolhi Sagarana, que comprei no último sábado, num bazar beneficente de uma ONG que cuida de cães e gatos abandonados.
Guimarães Rosa dispensa apresentações, tenho comigo que ele é uma mistura de Fernando Pessoa com James Joyce, de Fernando tem aquele viés meio espírita e de Joyce as manobras de linguagem, mas creio que suplante o irlandês, afinal não é preciso ler a biografia dele para entender o que escreveu.
Em O Burrinho Pedrês, o primeiro conto do livro, aflora todo um universo de boiada & boiadeiros dos sertões de Minas Gerais. Há o encanto da descrição pormenorizada do cotidiano, locais e figuras e o protagonista é um burro, o qual, em instante nenhum, é humanizado: Não, ele é um muar do início ao fim e, no entanto, figura central da narrativa.
Major Saulo convoca 10 boiadeiros para a condução de 450 cabeças de gado até um vilarejo que possui estação ferroviária, viagem de cerca de 7 léguas. Há falta de cavalos e o burro pedrês é adicionado ao comboio, o animal já é velho e só é incluído à empreitada por não haver alternativa.
Há a suspeita, que aos poucos revela-se mais do que isso, de que o boiadeiro Silvino pretende matar o Badu, a razão é que este tomou-lhe a namorada. Enquanto a boiada é conduzida, as conversas são verdadeiros épicos da vida de boiadeiros, nas quais touros ou mesmo onça traem um clima de suspense, raiando a histórias de terror ou assombração.
O desfecho é surpreendente, no retorno Silvino se dispõe a matar o rival,
que está completamente bêbado e montando o burrinho Sete-de-Ouros,
mas uma inundação...
A leitura desse texto despertou-me o desejo de ler também Platero & Eu, do espanhol Juan Ramón Jimenez (1881-1958), poeta espanhol anti-Franco, exilado nos EUA, laureado pelo Nobel de Literatura de 1956, premiação que Guimarães bem que merecia...