Convite

Há quase vinte anos, nos intervalos das aulas no Colégio Técnico Universitário da UFJF, o poeta Juvenal Medeiros me privilegiava mostrando-me algumas de suas poesias inéditas, as quais eu lia em voz alta, procurando associar ritmo ao sentido sugerido por seus versos, que têm nas aliterações uma de suas forças estilísticas.

Lembro-me da leitura de Mágoas, cujos versos refletem primorosa e singelamente esse desencanto ante o estar no mundo, desencanto que tanto tem perturbado a sensibilidade dos poetas de verve, que Juvenal também o é. E o seu desabafo final me parecia poeticamente certeiro: “Porém a pior das mágoas/ É a mágoa que a gente sente/ E sofre terrivelmente/ Sem mesmo saber por quê!”.

É dessa época também o poema metalinguístico Lavrador, em que o poeta compara o ato de lavrar a terra com o de compor versos, embora o lavrador tivesse melhor sina que o artista: “Tu semeias farta vida, / Este só semeia ...dor.” .

Com alegria, vejo agora que dezembro traz a lume, através da editora Notas & Letras , Convite, uma coletânea que reúne parte da obra do poeta de Mágoas. Com lançamento em 3 de dezembro, no saguão da Reitoria da UFJF, Juvenal foi festejado por amigos, que lhe levaram o fraternal abraço e o indispensável estímulo a que continue na senda da arte poética.

O leitor vai encontrar o poeta agora incursionando pelo soneto e burilando com maestria o decassílabo, em produções que primam pela reflexão amadurecida sobre temas eternos. Assim, por exemplo, o caráter contraditório do amor (magistralmente cantado pelo gênio de Camões) encontra espaço também em Juvenal neste antológico primeiro quarteto de Vozes, que seguramente pode também refletir a escravidão do eu lírico ao próprio fazer poético: “Quando comigo falo nas esquinas / E me descubro escravo como agora / De uma febril paixão que me fascina / E simultaneamente me apavora...”

Além das mágoas poéticas - mágoas fortuitas, mágoas do tempo que passa, mágoas dos políticos que passam o ano adiando soluções - o leitor vai se deparar com a exploração do carpe diem (colhe o dia), no poema Segredos, em que a brevidade da vida é um convite à realização amorosa: “É breve a vida, o sentimento aflora, / Mas perde o viço ante o fresco da aurora.../ E tudo finge e foge num segundo”.

A poesia de Juvenal, não há dúvida, é trabalhada, é estudada, e os versos seguramente são depurados após o processo imediatista de criação. Seguindo a receita drummondiana, Juvenal vai buscar nos dicionários “os poemas que esperam ser escritos” e produz Cantador de palavras: “Piciforme e picumã,/ Solecismo, solavanco,/ Necromante, nulinerve,/ Ostracite e bambambã.” É por tudo isso que o livro encanta...

Finalmente, Convite, o poema que abre a obra, é mesmo um convite à escrita/leitura da poesia multifacetada que desliza do “pobre leiteiro” (talvez de Drummond!) ao desequilíbrio da loucura e, nesse sentido, pode ser uma síntese do que espera o leitor.

Ah! Estava me esquecendo... A edição da obra, sob coordenação de Mara Justiniano e competente conselho editorial, traz abonador prefácio de Margarida Salomão, o que é credencial das mais valiosas. (Texto escrito em 2004)