"O fascismo eterno" de Umberto Eco: o fascismo que se renova continuamente
Livro "O fascismo eterno" do filósofo e linguista italiano Umberto Eco. Trata-se de um ensaio feito com base numa palestra que Eco proferiu em meados de 1995. Pegando a primeira definição de Fascismo encontrada nos mecanismos de busca temos:
"Fascismo: movimento político e filosófico ou regime (como o estabelecido por Benito Mussolini na Itália, em 1922), que faz prevalecer os conceitos de nação e raça sobre os valores individuais e que é representado por um governo autocrático, centralizado na figura de um ditador".
Diante disso, ao olharmos hoje o contexto político mundial e nacional, podemos nos indagar se caminhamos para isso? Estaria a liberdade individual ameaçada por líderes representando grupos de interesse?
Para responder tais questionamentos, Eco, em seu ensaio, apresenta catorze características que definiriam o Fascismo nos dias atuais, o chamado "Ur-Fascismo".
Aqui está uma versão da lista de Eco (1):
1) O culto da tradição. “É preciso olhar para o programa de todos os movimentos fascistas para encontrar os principais pensadores tradicionalistas. A gnose nazi foi alimentada por elementos tradicionalistas, sincretistas e ocultos “.
2) A rejeição do modernismo. “O Iluminismo, a Era da Razão, é visto como o início da depravação moderna. Neste sentido, o Ur-Fascismo pode ser definido como irracionalismo”.
3) O culto da ação por ação. “Ação sendo bonita em si, deve ser tomada antes, ou sem, qualquer reflexão anterior. Pensar é uma forma de emasculação “.
4) O desacordo é traição. “O espírito crítico faz distinções, e distinguir é um sinal de modernismo. Na cultura moderna, a comunidade científica elogia o desacordo como forma de melhorar o conhecimento “.
5) Medo da diferença. “o primeiro apelo de um movimento fascista ou prematuramente fascista é um recurso contra os intrusos. Assim, o seu fascismo é racista por definição. ”
6) Apelo à frustração social. “uma das características mais típicas do fascismo histórico foi o apelo a uma classe média frustrada, uma classe que sofre de uma crise econômica ou sentimentos de humilhação política, e assustada com a pressão de grupos sociais inferiores.”
7) A obsessão com um enredo. “os seguidores devem sentir-se sitiados. A maneira mais fácil de resolver o enredo é o apelo à xenofobia. ”
8) O inimigo é forte e fraco. “por um contínuo deslocamento de foco retórico, os inimigos são ao mesmo tempo muito forte e muito fraco.”
9) O pacifismo está a traficar com o inimigo. “para o fascismo não há luta pela vida, mas, em vez disso, a vida é vivida para a luta.”
10) Desprezo pelos fracos. “elitismo é um aspecto típico de qualquer ideologia reacionária.”
11) Todo mundo é educado para se tornar um herói. “Na ideologia Ur-fascista, o heroísmo é a norma. Este culto do heroísmo está estritamente ligado ao culto da morte “.
12) Machismo e armamento. “O machismo implica desdém para as mulheres e intolerância e condenação de hábitos sexuais não padronizados, da castidade ao homossexualismo”.
13) Popismo seletivo. “Existe em nosso futuro um populismo de TV ou Internet, no qual a resposta emocional de um grupo selecionado de cidadãos pode ser apresentada e aceita como a Voz do Povo”.
14) Ur-Fascismo fala Novilíngua. “Todos os livros didáticos nazistas ou fascistas utilizaram um vocabulário empobrecido e uma sintaxe elementar, para limitar os instrumentos para o raciocínio complexo e crítico”.
É impossível ler o livro e não fazer analogias com governantes atuais brasileiros e estrangeiros. O ensaio de Eco possui caráter didático, inclusive na capa (2), mas representa também um apelo ao bom senso e ao aprendizado histórico. É um grito em favor da liberdade e da humanidade. Trata-se de uma leitura necessária.
(1) https://www.pensarcontemporaneo.com/umberto-eco-faz-uma-lista-das-14-caracteristicas-comuns-do-fascismo/
(2) A capa da edição simula um rasgado, simbolizando o ódio ao conhecimento e à racionalidade.
P.S.: Resenha escrita em julho de 2019.