HOGWARTS E A SELEÇÃO DAS CASAS – PARTE 1

     Desde que a escritora britânica J. K. Rowling lançou Harry Potter e a Pedra Filosofal em 1997, fãs do mundo inteiro já sonharam em um dia poder ingressar no mundo mágico de Hogwarts. O sucesso da franquia Harry Potter se expandiu além dos livros para filmes, jogos, parques temáticos e brinquedos. Sites como o Pottermore têm ampliado a sensação mágica dos fãs em conhecer a casa para a qual seriam selecionados, o tipo de varinha que usariam e até mesmo qual seria seu patrono corpóreo.
     Até hoje, sem importar a idade, fãs se identificam com a casa para a qual seriam selecionados. Os da Grifinória realmente se sentem corajosos e nobres, os da Sonserina realmente se sentem poderosos e ambiciosos, os da Corvinal realmente se sentem sábios e criativos, e os da Lufa-Lufa realmente se sentem generosos e dedicados. Ao mesmo tempo, a rivalidade entre as casas também tem extrapolado os livros e filmes. Os da Grifinória são uns exibidos metidos? Os da Sonserina são uns preconceituosos odiosos? Os da Corvinal são uns esquisitos avoados? Os da Lufa-Lufa são uns perdedores sem-graça? Será que J. K. Rowling contribuiu para os estereótipos positivos e negativos das casas de Hogwarts e suas rivalidades? Grifinória só tem herói? Sonserina só tem bruxo das trevas?
     Será que a descrição e a caracterização de seus personagens na franquia fez jus à casa que lhes correspondem? Rowling exerceu favoritismo para com Grifinória? Essas e outras questões nós veremos agora.

A origem das casas

     No universo literário de Harry Potter, criado por J. K. Rowling, a Escola de Magia de Hogwarts foi fundada por volta de 993 d.C. por quatro grandes bruxos: Godric Grifinória, Salazar Sonserina, Rowena Corvinal e Helga Lufa-Lufa. Além de educar novos bruxos no conhecimento da magia, cada um de seus fundadores desejava ressaltar suas próprias virtudes aos alunos que ali ingressariam. Godric Grifinória valorizava o reconhecimento por meio da bravura e nobreza, Salazar Sonserina valorizava o reconhecimento por meio da ambição e busca pelo poder a todo custo, Rowena Corvinal valorizava o reconhecimento por meio da sabedoria e criatividade, e Helga Lufa-Lufa valorizava o reconhecimento por meio da paciência e dedicação. Sendo assim, logo no primeiro ano de ingresso em Hogwarts, por meio de um artefato mágico, o Chapéu Seletor, o próprio chapéu que Godric Grifinória usava, os alunos seriam selecionados para uma das quatro casas, que receberam cada uma o sobrenome de seus fundadores: Grifinória, Sonserina, Corvinal e Lufa-Lufa.

Uma rivalidade antiga

     Logo no começo da fundação de Hogwarts, houve um desentendimento. Salazar Sonserina queria que a escola fosse exclusiva para bruxos de sangue puro, ou seja, filhos de pai e mãe bruxos, ao contrário de bruxos mestiços, ou seja, em que um dos pais não é bruxo, ou ainda os chamados pejorativamente de sangues-ruins, ou seja, filhos de ambos os pais não-bruxos. Godric Grifinória e os demais defendiam uma escola inclusiva. Salazar e Godric brigaram e Salazar abandonou a escola. Assim se manteve até o tempo presente a rivalidade entre a casa de Grifinória e a casa de Sonserina.

AS QUATRO CASAS DE HOGWARTS

CASA DA GRIFINÓRIA
     
     Tem por característica selecionar os alunos que se destacam naturalmente dos demais por meio de atos de ousadia e bravura. Sua motivação é a glória. Seu símbolo é o leão. Suas cores são vermelho e dourado. Seu elemento é o fogo. Os signos do zodíaco deste elemento são Áries, Leão e Sagitário.
     Como Harry Potter é o protagonista da série e pertencente a esta casa, a narrativa pesa mais ao favorecimento da Grifinória. Seus pais pertenceram à Grifinória, assim como o diretor da escola Dumbledore, a subdiretora Minerva, a família Weasley e os melhores amigos de Harry. Durante a saga, tanto nos livros quanto nos filmes, Grifinória é sempre favorecida e as demais casas ficam com o papel de coadjuvantes ou até mesmo figurantes. Grifinória é percebida como injustiçada quando perde jogos e pontos ao passo que merecedora de cada um dos jogos e pontos ganhos. Se o Snape favorece Sonserina e tira pontos de Grifinória a torto e a direito, nossa que injustiça! Mas se o diretor Dumbledore e a professora Minerva enchem a Grifinória de pontos para ela ganhar no final, uau, que honestidade! Mas será que todos que pertencem à Grifinória são heróis corajosos?

As (falsas) exceções da Grifinória

     A saga tentou apresentar algumas exceções para os selecionados para Grifinória. Não podemos nos esquecer que o próprio Harry foi tentado pelo Chapéu Seletor a ingressar na Sonserina, embora a parte de Harry que era Sonserina pertencia à parte da alma de Voldemort presa à cicatriz. Com Neville Longbottom, o garoto não se via corajoso o suficiente para merecer a Grifinória, como seus pais o foram, e pediu que fosse para a Lufa-Lufa, mas o Chapéu sentiu a coragem latente de Neville e o escolheu para Grifinória. Ao longo da série, Neville provou seu valor e foi merecedor da espada de Grifinória que matou Nagini, portanto um verdadeiro Grifinória no final. Não podemos nos esquecer da professora Minerva e de Hermione, no limite entre Corvinal e Grifinória, ficaram com a Grifinória mais por conveniência do roteiro, para a professora Minerva aumentar o favoritismo da casa e para Hermione fazer parte do elenco principal. Portanto, apesar destes personagens tramitarem entre a possibilidade de ingressarem outras casas, mostraram seu valor na Grifinória.

As (verdadeiras) exceções da Grifinória

     Pedro Pettigrew foi indicado para Sonserina, mas escolheu ir para a Grifinória para não se separar da proteção dos amigos. Pedro não tinha nada de nobreza ou heroísmo, nem era corajoso, agia para sobreviver a qualquer custo, se aliava por conveniência, traía e agia nas sombras, características de Sonserina. Portanto, só foi aceito para Grifinória porque pediu. Percy Weasley foi selecionado para Grifinória por tradição, mas suas características eram de um autêntico Sonserina. Ambicioso por reconhecimento e cargos de chefia, foi um bajulador e capacho do Ministério mesmo com a notícia de que Voldemort havia retornado. Brigou com a família, difamou Dumbledore e Harry, fez tudo pelo poder e só se redimiu no final porque não tinha mais opção.

As (mais absurda) exceção da Grifinória

     Hagrid. O que Hagrid tinha de Grifinória? Hagrid era um esquisitão, mestiço, meio humano e meio gigante, de poucos amigos, desprezado, sem poder usar uma varinha, e considerado um mal professor até por seus únicos três amigos da escola, Harry, Rony e Hermione. Era digno de pena e só vivia em Hogwarts devido à compaixão de Dumbledore. Apesar disso era leal, gentil, dedicado, generoso, amante da natureza, não fazia acepção de pessoas ou de criaturas que a maioria achasse assustadora ou perigosa, vivia com simplicidade. Ora, essas são justamente as características de um Lufa-Lufa. Por que raios J. K. Rowling o escreveu na Grifinória? Só para fazer parte da panelinha de amigos da Grifinória de Harry, é claro.

O lado sombrio da Grifinória

     Ao passo que a faceta positiva desta casa é a coragem e o heroísmo, seu lado negativo é o exibicionismo, a vaidade, a impulsividade, a agressividade, o egocentrismo, o narcisimo. Assim como o fogo pode trazer a luz e o calor, o fogo também machuca e incendeia. Vejamos o próprio Harry e suas constantes explosões de raiva e perda de autocontrole, os gêmeos Weasley se exibindo com suas travessuras e implicâncias, e o pai de Harry e seus amigos praticando bullying, querendo ser o centro das atenções. Ah, se fosse alguém da Sonserina fazendo essas coisas! Rowling de fato expôs este lado sombrio da Grifinória, mas é tanto favoritismo que essa faceta quase passa despercebida. A parte sombria de um bruxo ficou mesmo a cargo da Sonserina. Será que eles mereciam?

CASA DA SONSERINA

     Tem por característica selecionar os alunos com ambição e esperteza. Sua motivação é o poder. Seu símbolo é uma serpente. Suas cores são verde e prata. Seu elemento é a água. Os signos do zodíaco deste elemento são Câncer, Escorpião e Peixes. Se Grifinória representa o fogo, o calor, a luz, a clareza, o brilho, já Sonserina representa seu oposto: a água, a frieza, a escuridão, o oculto, as profundezas. É a casa com maior número de bruxos que se aliaram com as artes das trevas, pois almejam o poder acima de tudo, até mesmo da noção de bem e mal. O grande vilão, Voldemort, pertenceu à Sonserina, assim como a esmagadora maioria de seus seguidores do mal. É desnecessário dizer que J. K. Rowling colocou 99,98% dos bruxos das trevas na Sonserina, e os dois únicos que não eram de Sonserina apenas estavam lá como capangas fracotes da Sonserina. Em contraposição à Grifinória, a série a tornou uma casa rival e lar dos grandes antagonistas de Harry Potter.
     Acho que mesmo a narrativa sendo contada sob a ótica da Grifinória, J. K. Rowling exagerou na caricatura dos personagens que pertencem à Sonserina. Pense em quantos personagens odiosos e perversos ela incluiu na Sonserina, além do próprio Voldemort e seus muitos seguidores. Temos a difamadora irritante Rita Skeeter, a controladora obsessiva Dolores Umbridge, e o mimado Draco Malfoy. O próprio professor Severo Snape, que tem a redenção de Harry no final, é descrito em toda a série como um perverso. Essas caricaturas colaboraram muito para reforçar que quem pertence à Grifinória é gente de bem e quem pertence à Sonserina são ultraconservadores e elitistas. O próprio conceito da Sonserina de inferiorizar mestiços e sangues-ruins frente à superioridade dos sangues-puros, muito se assemelha ao preconceito de supremacia racial. O próprio fundador Salazar brigou com todo mundo e ainda por pura vingança e maldade deixou um basilisco escondido na escola unicamente para matar alunos que não fossem de sangue puro. Portanto, devido ao reforço do lado negativo de Sonserina explorado na série, esta casa ficou com uma fama que nem sempre mereceu. Mas será que Rowling nos deu alguma exceção?

As exceções da Sonserina

     Das exceções a este estereótipo ruim que Sonserina recebeu, temos como exemplo Regulus Black, que se opôs a Voldemort, descobriu sobre as horcruxes e tentou destruí-las, embora deste personagem só tenhamos ouvido falar. E outro personagem que pertenceu a Sonserina e ganhou grande destaque histórico sem ser necessariamente um vilão foi o lendário Merlin, reconhecido por ser um dos maiores bruxos de todos os tempos. O próprio filho de Harry, Alvo Severo Potter, foi para Sonserina. Mas justiça seja feita mesmo com o professor Horácio Slughorn, que melhor representou a virtude da casa de Sonserina sem se mostrar um perverso odioso. O professor Horácio Slughorn, apesar de ciente da rivalidade com Grifinória, foi compreensivo e gentil quando Harry o esnobou por ser de Sonserina. Slughorn valorizava os alunos que se destacassem por suas proezas e fama, seja qual fosse sua origem, e os selecionava para um círculo mais íntimo de favorecimento, inclusive indicando-os a cargos importantes após concluírem a escola. Ele é aquele que abre as portas do poder para as pessoas que mostrassem potencial de alcançar o poder. Apesar de gostar do luxo e de estar cercado de contatos influentes e valorizar a ambição, não foi retratado como um esnobe que inferioriza as pessoas, mas como um homem gentil, educado, e um professor estimulante e positivo, um bom exemplo do que alguém de Sonserina pode ser.

O lado positivo da Sonserina

     Não é porque a pessoa é astuta, ambiciosa e desejosa de poder que ela é má. Muitas vezes, o poder é alcançado não com exibicionismo ou feitos heroicos como pensaria alguém da Grifinória, mas por meio de acordos de bastidores, silêncio, esperteza e dissimulação, mesmo sem obter glória, pelo contrário, muitas vezes exercer o poder é uma missão inglória. Muitas vezes, para se alcançar o poder, é preciso ser ardiloso e agir sem ser percebido, saber se esgueirar, agir com frieza, sendo escorregadio como uma serpente, ao invés de se usar a brutalidade de um leão. Uma pessoa boa sem poder é só uma pessoa boa, mas uma pessoa boa com poder pode melhorar a vida de outras pessoas. No entanto, a busca pelo poder é um caminho perigoso, cheio de sedução, veneno e perversão. É um caminho onde muitas vezes é difícil distinguir o bem do mal, ou até mesmo escolher qual será o menor mal a ser causado. Por este motivo, o escolhido para Sonserina tem que trilhar um caminho maquiavélico, muito próximo dos jogos de poder da política, do controle sobre os mais fracos e da tirania. É um caminho nem sempre bem compreendido, muitas vezes é até evitado pelas pessoas receosas de serem seduzidas pela corrupção do egoísmo que o poder muitas vezes convida seus visitantes a trilhar. Por isso eu acho que faltou para a série tornar a casa de Sonserina mais compreensível.
     É possível perceber que o lado negativo de Sonserina prevaleceu porque houve uma corrupção do que é o poder por um daqueles que percorreu o caminho do poder mas o corrompeu, Voldemort, e com isso ele arrebanhou outros que trilhavam o mesmo caminho errático, e como majoritariamente eles estavam também na casa de Sonserina, a casa da busca pelo poder, a maioria se corrompeu. Mas veja o que aconteceu com outros bruxos de outras casas que também queriam estar no conforto do poder e também se corromperam. Pedro Pettigrew, Percy Weasley, Quirino Quirrel não eram da Sonserina mas estavam em busca do poder e foram mal encaminhados. Portanto, o problema não é ser da Sonserina, mas as seduções do caminho do poder, e como a busca pelo poder é o caminho da Sonserina, eles ficaram com o caminho mais polêmico.

Continua...

     E a casa da Corvinal e da Lufa-Lufa? Ficaram apenas como coadjuvantes e até mesmo figurantes quase invisíveis da saga? É o que veremos em HOGWARTS E A SELEÇÃO DAS CASAS – PARTE 2.
Vitor Pereira Jr
Enviado por Vitor Pereira Jr em 14/08/2019
Reeditado em 14/08/2019
Código do texto: T6720193
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