O BAZAR DOS SONHOS RUINS
Imagine que, num mundo paralelo a esse em que vivemos, os escritores de todos aqueles livros que amamos não morreram na data em que de fato morreram em nosso mundo, mas depois. Imagine também que, nesse tempo extra de vida no mundo paralelo, esses mesmos escritores continuaram a escrever e publicar seus trabalhos. Não seria maravilhoso possuir alguma ferramenta capaz de proporcionar a leitura desse conteúdo exclusivo? Imagine agora que esse acesso ao mundo paralelo não se restrinja a ficção produzida por escritores, mas compreende a própria versão alternativa da História...
Essa é essencialmente a premissa de um dos contos de O BAZAR DOS SONHOS RUINS, de Stephen King (2015, SUMA DE LETRAS, 528 páginas).
Stephen King soa familiar aos seus leitores antigos, nessa coletânea de contos, ao mesmo tempo em que parece curiosamente à vontade com temáticas contemporâneas. Para quem nunca leu nada de sua obra, por outro lado, começar por essas narrativas curtas será um instigante aperitivo e introdução ao estilo que consagrou o autor, aos temas de sua peculiar predileção, bem como a um variado leque de especulações mais gerais, fora do estrito âmbito do horror.
Então, para a alegria dos mais nostálgicos do velho King, essa reunião de dezoito contos e dois poemas tem por peça de abertura MILHA 81, bem ao estilo dos trabalhos mais antigos na estética cinematográfica B, fortemente semelhante às temáticas desenvolvidas em suas primeiras coletâneas. Aqui, ameaça alienígena e possessão automotiva são a deixa para o exercício maduro da arte do mestre. A construção dos personagens, como sempre, é digna de nota.
Tenho a tendência a uma categorização temático-estilística dos contos : identifico aqueles de teor mais típico da fantasia e do horror -- aqueles que surgem do incontornável, recorrente "E se...?" -- e os de ficção mais realista, menos característicos da ideia que normalmente fazemos de um trabalho do autor. Nesse sentido, MILHA 81 pertence à primeira categoria, bem como os seguintes contos :
A DUNA
GAROTINHO MALVADO
UR
O PEQUENO DEUS VERDE DA AGONIA
OBITUÁRIOS
São o que há de mais interessante para o leitor em busca de peças mais imaginativas e, como em GAROTINHO MALVADO, mais terríveis também.
As demais histórias são, em geral, bem escritas e envolventes a despeito da temática abordada. São elas :
PREMIUM HARMONY
BATMAN E ROBIN TÊM UMA DISCUSSÃO
UMA MORTE
MORALIDADE
VIDA APÓS A MORTE
HERMAN WOUK AINDA ESTÁ VIVO
INDISPOSTA
BLOCKADE BILLY
MISTER DELÍCIA
AQUELE ÔNIBUS É OUTRO MUNDO
FOGOS DE ARTIFÍCIO E BEBEDEIRA
TROVÃO DE VERÃO
...algumas muito boas, outras particularmente belas de uma maneira...estranha -- e eu penso em HERMAN WOUK AINDA ESTÁ VIVO -- e as que fazem pensar, bastante e dolorosamente, como PREMIUM HARMONY, apesar da desesperança e do niilismo, a meu ver excessivos, e INDISPOSTA. Todas fortemente recomendáveis já pelo simples motivo de constituirem parte da produção literária recente de um autor best seller que ainda dedica alguma atenção ao conto.
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