Uma análise de Aprender a viver II de Luc Ferry
A sabedoria dos mitos gregos
Aprender a Viver II
Autor: Luc Ferry Tradução: Jorge Bastos
Editora Objetiva, 2012
O livro Aprender a Viver 2 de Luc Ferry traz um panorama da mitologia grega tendo como fio condutor a exposição de uma ideia básica: todas as histórias da mitologia grega, ou boa parte delas, exprimem o confronto entre forças caóticas ( monstros destruidores ) e forças cósmicas ( Zeus e a maioria dos deuses olímpico, heróis como Héracles, Teseu e Perseu), isto é, entre forças que querem a destruição da vida e forças que querem preservar a organização do mundo (o cosmos).
Ademais, o autor trabalha com a oposição entre Diké( justiça) e Hybris( desconhecimento, arrogância, um mortal ou uma divindade secundária sentir-se igual ou superior aos deuses olímpicos).
Para o autor, a mitologia era uma sabedoria laica, pois ,apesar de estar repleta de seres divinos, traz em uma análise aprofundada a ideia de que os mortais devem resolver suas questões sem intervenção divina. Ilustração disso é o capítulo dedicado a viagem de Ulisses de retorno á Ítaca. O herói grego recusa a imortalidade proposta por uma deusa e só satisfaz quando, após enfrentar inúmeros perigos, pode retornar e organizar o seu lugar natural no cosmos: ao lado da mulher e do filho, como um simples mortal.
Casos de Hybris são retratados em diversas histórias, sendo que em todas elas há uma punição severa que representa a necessidade de preservação da ordem cósmica: somente os deuses são imortais e poderosos, já os humanos são mortais e sabedores de sua finitude devem viver a vida com urgência e aceitar a morte como algo natural, parte da ordenação cósmica.
No capítulo dedicado aos heróis matadores de monstros( Héracles,Teseu e Perseu), o autor sustenta que esses personagens são representantes dos deuses entre os homens, uma vez que matam monstros( forças do caos). Isto é, são vigilantes da solidez da do caráter cósmico do universo ( plenamente organizado) .
No penúltimo capítulo da obra, o autor trata dos mitos de Édipo e de Antígona e como essas histórias ao mesmo tempo em que ressaltam o sofrimento advindo de faltas de seres humanos ( que muitas vezes atingem os descendentes), também retratam o idealismo de personagens que buscam ter uma vida ética em meio a um mundo aparentemente cruel e injusto. Dessa forma, Antígona, por exemplo, ao querer enfrentar as leis da cidade para enterrar o irmão, pode ser vista como um modelo de humanismo, aquele que acredita no valor da humanidade e contra tudo e contra todos, luta por esse valor.
No capítulo final, o autor retoma a figura de Dioniso, o deus da festa, da orgia, do vinho e aparentemente do caos. Porém, para Luc Ferry, Dioniso seria um símbolo da síntese entre caos e cosmos, significando que forças contrárias não são necessariamente excludentes. O dia e a noite, a beleza e a feiura, a juventude e a velhice, a vida e a morte, são pares de uma mesma dança cósmica.
Para concluir, Ferry desenvolve a ideia de que a filosofia é uma espiritualidade laica, pois ela é uma forma de responder nossas angústias com relação á finitude sem o prisma religioso. A filosofia grega originou-se dos mitos e ao mesmo tempo que substitui explicações mitológicas por racionais, guarda uma herança das religiões. As religiões foram as primeiras explicações da vida e para tanto criaram os deuses. A filosofia é uma tentativa de ,sem os deuses, explicar a vida. Mas ao mesmo tempo em que a filosofia é o oposto da religião, também guarda uma herança advinda da cosmovisão teológica.
O autor conclui o livro afirmando que desenvolverá mais questões da filosofia como uma doutrina de salvação laica em outros volumes de Aprender a Viver.