Sociedades indígenas e ocidentalização no México espanhol. Séculos XVI-XVII

GRUZINSKI, Serge. A colonização do imaginário: sociedades indígenas e ocidentalização no México espanhol. Séculos XVI-XVII. São Paulo: Cia. Das Letras, 2003.

Esta é uma obra que aborda o que os conquistadores espanhóis enfrentaram ao chegar às terras americanas onde hoje chamamos de México. Serge de inicio levanta questionamentos que tendem a comparar os modos de vida espanhol e indígena, entretanto focando seus olhares e suposições sobre as questões religiosas destes povos.

Através de uma linguagem acessível, onde é possível ler e compreender sem maiores dificuldades o que se leu, o texto descreve a situação de um povo onde encontra na sua religião um modo de vida bastante distinto em relação ao modo dos europeus, surgindo daí um choque cultural. O autor faz questão de destacar essa diferença como algo mui valioso, porém acredita que o estudo e a compreensão desta, não deveriam ser utilizadas como ferramenta de engrandecimento do exotismo e do arcaísmo, pois sabia que o entendimento desse evento poderia desencadear uma serie de questões relevantes a expansão do Ocidente moderno na América.

Algo que se destaca bastante no decorrer desse texto é como as relações de poder dos europeus para com os nativos se dão através da religião. Para Serge, o modo religioso distinto da crença dos colonizadores e de certa forma fechado, no que se refere aos costumes e tradições dos espanhóis, proporcionou um grande desafio na inserção do cristianismo na colônia, porém era para Gruzinski interessante a pluralidade existente entre os povos pois existia ali modalidades de criatividade que para ele era praticamente incessante.

No decorrer da leitura, o autor evidencia o quão trabalhoso foi para os pesquisadores mexicanistas compreender esse processo cultural. Foi preciso focar a atenção nos antepassados destes índios, pois traria resultados superficiais entender apenas aquela realidade sem compreender de onde e como se deu e como foi mantido na sociedade nativa colonial.

Existiu para o autor uma falha dos pesquisadores quando estes negligenciaram a revolução dos modos de expressão, a passagem da pictografia a escrita mexicana, assim podemos também afirmar que foram perdidos outros dados importantíssimos no reboque.

Serge faz uma afirmação importantíssima quando cita as alterações que os espanhóis proporcionaram para os indígenas. Epidemias, a chegada da cristianização, costumes e ritos e dentre outros fatores, tudo isso foi absorvido pelos nativos e de certa forma gerou consequências que podemos identificar até nos dias de hoje. Entretanto lendo a obra é possível imaginar algumas coisas que os descobridores pensavam sobre a população indígena da colônia. O encontro com povos que se vestiam e agiam de maneira bastante distinta certamente fez pensar que eram seres irracionais, ou pelo menos racionais em menor proporção, mas assim como o autor diz em um determinado trecho da obra, é errado pensar que estes povos sabiam apenas o que tinham a bondade de lhes ensinar.

É muito interessante como a apropriação do poder espanhol vai se dando com o passar dos tempos, os colonos foram construindo paulatinamente sua autoridade sobre a comunidade nativa. As instancias espanholas ganharam grande força sobre a justiça indígena, e também, as sequencias de repressões fizeram com que a igreja começasse a ditar as ordens juntamente com a justiça regia.

Como dito anteriormente, sobre o imaginário espanhol acerca do povo remanescente, como inferiores culturalmente e também de conhecimentos gerais, isso foi também um fator que permitiu aos índios que sua religião fosse mantida de forma discreta, a aparente insignificância poupou-a da destruição cristã. Os cultos e costumes começaram a ser realizados nos domicílios e os instrumentos religiosos indiscretos como calendários, ídolos e templos começaram a ser destruídos, porém, por conta de alguns utensílios de menor porte como recipientes de barro, cabaças, incensórios e outros objetos anódinos a idolatria se sustentou. E também, outro fator que fez com que a cultura religiosa se mantivesse por longos períodos mesmo com a opressão católica foi á importância que atribuída a praticamente tudo, qualquer coisa é significante para os índios, como as rachaduras nos potes, estalos nas vigas e cinzas e lareira eram signos que alimentavam a fé daquele povo. Dessa forma, como a fé católica baseava praticamente na imagem de deus e seus santos ou seja, coisas que de certa forma carregam consigo uma maior importância significativa, é possível afirmar que negligenciaram a observação em busca por outros meios anódinos de idolatria indígena. Porém, assim como a fé dos nativos se sustentou mesmo que de forma discreta e censurada pela igreja, a opressão vinda dos espanhóis se manteve e essa persistência gerou consequências que afetaram drasticamente os costumes religiosos indígenas. Cultuar seus deuses estava cada vez mais difícil, assim resistir á penetração do cristianismo começou a se tornar um desafio cada vez mais árduo que com aos poucos foram adentrando no cotidiano dos anfitriões da colônia. Como é citado pelo autor, as palavras do escritor Ruiz de Alarcón, muitas das invocações utilizadas pelos povos haviam perdido todo o sentido para eles mesmos, e isso chegou a afetar até a realização de cálculos que estes povos também utilizavam com bastante frequência, os próprios começaram a negligenciar seus ritos até que o catolicismo de forma progressiva foi conquistando lugares nas celebrações típicas até conseguir se adaptar aos índios para que assim possam se converter.

Contudo, a leitura deste texto permite de forma interessante um pouco da compreensão sobre a entrada da cristianização na colônia. Por mais que a linguagem seja simples e bem acessível ao leitor, existe em alguns trechos e termos indígenas que deveriam ter seus significados para um maior entendimento. Dessa maneira, requer um pouco de conhecimento histórico, para curiosos que não são da área da história, mas não perde com isso a riqueza em informações.