"Ensaio de Helena" de Tatiana Piccardi: a Literatura como instrumento para enfrentar o luto
Livro "Ensaio de Helena" da mestre e doutora em Letras Tatiana Piccardi. A obra descreve como foram os últimos meses de vida de Helena, filha da autora, que morreu vítima de câncer quando tinha apenas 5 anos de idade.
Pela própria natureza de sua formação, Tatiana Piccardi apresenta um texto bem escrito, fluído, optando por seguir uma ordem cronológica não-linear. Se alternam momentos vividos pela família durante o tratamento de Helena com momentos ocorridos após a perda. As imagens apresentadas pela narrativa mostram toda a dor, desespero e sentimento de impotência da família. Contudo, com mesmo peso, há muita ternura, esperança...
Todas as etapas relevantes da doença são narradas por Tatiana. Do surgimento repentino de um estrabismo, que levou à descoberta do câncer no cérebro, até à morte, passando pela gradual perda das capacidades motoras, de comunicação... com a pequena Helena padecendo de dores horríveis em vários momentos. Em dado estágio, devido à perda da capacidade de falar e pela própria pouca idade, os pais precisavam prestar atenção em ruídos e/ou olhares para tentar identificar se a filha estava sentindo dores que, na reta final, nem sempre os analgésicos conseguiam atenuar. A rotina com a quimioterapia é igualmente abordada.
Com o diagnóstico de doença terminal da própria filha, Tatiana e seu marido, Luiz Maurício, procuravam tudo aquilo que a Ciência poderia oferecer, consultando vários médicos e tratamentos. Procuraram passear com Helena, para alegrá-la. É particularmente comovente a felicidade de Helena quando eles lhe fazem uma festa de aniversário e convidam todos os seus coleguinhas... e ela, alegre, já sem os movimentos, numa cadeira de rodas, cercada de bichos de pelúcia que não conseguia segurar, observava sorrindo os colegas brincando no salão e comendo bolo, que ela também já não conseguia comer...
Após a morte de Helena, a autora e seu marido criaram a Associação Helena Piccardi de Andrade Silva (AHPAS), uma entidade social sem fins lucrativos e que tem como objetivo melhorar a qualidade de vida de crianças e jovens com câncer, oferecendo o transporte especializado gratuito até os hospitais, durante os meses de tratamento.
O livro é dividido em três partes. A primeira parte é a narrativa em si, da qual falei até agora, onde a Literatura tenta traduzir tudo aquilo que foi vivido. A segunda parte é um pequeno diário cronológico, com datas seguidas do respectivo acontecimento, sem textos descritivos, ou seja, é o "olhar clínico", servindo como um contraponto para a primeira parte da obra. Por fim, na parte final, retornar-se à Literatura, com Tatiana apresentando uma história que foi contatada à Helena, no dia de sua morte. Ao concluir a leitura da história, a aparelhagem do CTI registrou o término dos sinais vitais da filha...
E por que alguém escreveria os registros de acontecimentos tão tristes? Segundo a própria Tatiana, narrar os fatos em livro foi a forma que a autora escolheu para viver o luto e sair dele da melhor maneira possível. Uma das formas de passar pelo luto é através de um diálogo com alguém empático à dor. No presente caso, o diálogo é com o leitor. Segundo uma resenha de Fabiana Corrêa Prando, publicada numa revista da USP (link mais abaixo), o que a autora faz é o que se chama de "ato de fala curativo", ou seja, ao narrar o passado, tenta-se criar um novo presente, por meio da empatia gerada pelo compartilhamento da experiência. Trata-se, inclusive, de uma abordagem estudada na Medicina.
"Ensaio de Helena" é um livro doloroso sobre a pior dor que um ser humano pode ter: a perda de um filho. Entretanto, trata-se de um livro necessário, para tentar entender um pouco a questão do luto e a coragem necessária para seguir adiante.
Link para resenha da obra na USP (em PDF):
http://www.revistas.usp.br/viaatlantica/article/download/115951/118193/
Link para a página da AHPAS no Facebook:
https://www.facebook.com/AHPAS/
(PICCARDI, Tatiana. Ensaio de Helena: mãe e filha, uma história de amor e luta pela vida. São Paulo: Marco Zero, 2006, 62 páginas)
P.S.: Resenha escrita em março de 2019.