"A morte e a morte de Quincas Berro D'Água" de Jorge Amado: a boêmia bem humorada da Bahia de Jorge Amado numa obra magnífica
"A morte e a morte de Quincas Berro D'Água" do escritor baiano Jorge Amado. Quando se pensa na literatura de Jorge Amado, um de meus escritores favoritos, duas coisas saltam aos olhos: a boêmia/malandragem da vida noturna da Bahia e o bom humor. E, nesse livro, ambas estão presentes do início ao fim.
A obra conta a história de Joaquim Soares da Cunha, respeitável funcionário público, pai de família, uma referência de conduta e que, em certo momento da vida, rompe com os parentes e com as convenções sociais e resolve cair na boêmia e malandragem, assumindo a alcunha de Quincas Berro D'Água, indo viver aventuras no porto de Salvador, passando seus dias na companhia de bêbados e prostitutas. Certo dia, morre em um hotel (provavelmente após uma farra) e é, com esse acontecimento, que a história tem início. Caberá agora à família providenciar o enterro, tentando entender o pitoresco destino de Quincas e tentar resgatar na despedida final a dignidade perdida pelo protagonista. Contudo, os companheiros de bebedeira de Quincas também querem se despedir do amigo querido...
Ao longo da leitura o que mais se destaca é o bom humor de Jorge Amado. A ironia em diversos trechos acentua a malandragem e até a pureza de Quincas e de seus companheiros de noite. A pureza está na simplicidade das ações e no carinho que eles tem entre si e em relação à Quincas. Enquanto a conduta moral, exemplificada na família, se mostra sisuda e magoada, a vida noturna, embora decadente, se mostra singela e feliz, ao seu modo. Trata-se de um interessante contraponto, algo muito comum na literatura de Jorge Amado, onde o escritor promove comparações entre aquilo que é imposto aos personagens como "bom" e aquilo que, de fato, lhes é exequível, ainda que imperfeito aos olhos de todos. Vide, por exemplo, outras obras como "Capitães da areia", onde os meninos são felizes, apesar de viverem nas ruas, e "Dona Flor e seus dois maridos", onde a protagonista tem um marido perfeito aos olhos do povo mas, na cama, sente falta do fogo e até da cretinice do ex. Contrapontos... que tornam os personagens mais complexos e interessantes.
Todo esse estudo de personagem tem a boa Bahia de pano de fundo. Contudo, Jorge Amado não descreve apenas fatores turísticos e/ou geográficos da ambientação. A Bahia do escritor tem cheiros, sabores. Mesmo quem não conhece o Estado, se sente nas ruas, com suas tendas vendendo acarajés, com o cheiro do mar enebriando tudo ao redor.
"A morte e a morte de Quincas Berro D'água" é um dos livros mais engraçados que já li e já é um dos meus favoritos. Lembro de certos trechos e dou risadas. Entretanto, por trás da comédia, há um excelente estudo de personagem e a Bahia em suas paixões e imperfeições, numa prosa rica e viciante. Impossível não amar Jorge Amado.
(AMADO, Jorge. A morte e a morte de Quincas Berro Dágua. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, 118 páginas)
P.S.: Resenha escrita em 2018.