"Elogio da madrasta" de Mario Vargas Llosa: seu contexto lembra muito "Lolita" de Nabokov, mas as semelhanças terminam aí...
"Elogio da madrasta", polêmico e pequeno livro do peruano Mario Vargas Llosa. Trata-se de um pequeno livro, uma novela erótica, onde conhecemos a rotina apaixonada de Dom Rigoberto e sua voluptuosa segunda esposa, Dona Lucrécia. Ele, divide sua rotina entre zelar pela higiene pessoal, bem detalhada (por que?) por Llosa, trabalhar e usufruir dos prazeres carnais de Lucrécia, com quem compartilha as mais diferentes fantasias. Já ela, apaixonada pelo marido, tenta ser uma boa esposa e uma boa madrasta para o filho dele, o pequeno Fonchito. As coisas começam a desandar quando Fonchito começa a demonstrar um afeto muito exacerbado por Lucrécia, o que, com o tempo, acaba conduzindo ambos a um envolvimento amoroso/sexual.
O tema do envolvimento de um adulto com uma criança é polêmico e pode ser feito um interessante paralelo com outra obra literária: "Lolita" de Vladimir Nabokov. Em ambos os livros temos crianças/pré-adolescentes precocemente sexualizados envolvidos com adultos, mas há diferenças: em Nabokov, é um homem adulto relacionando-se com uma menina, o que escandalizou a Europa, quando de seu lançamento. Além disso, em Nabokov, o personagem adulto, Humbert Humbert, se reconhece como alguém que se sente atraído por meninas e busca, com diferentes meios, atingir seu objetivo. Em Llosa, Dona Lucrécia evita o contato com o jovem Fonchito, mas acaba cedendo aos avanços do pequeno e ao turbilhão de sensações díspares que o contexto lhe proporciona. Interessante notar que, se "Lolita" causou escândalo, "Elogio da madrasta" passou relativamente incólume. Seria a iniciação sexual precoce masculina mais bem aceita pela sociedade? Enfim...
Em "Lolita", o que sempre se destacou foi seu inegável e inquestionável mérito literário, com uma prosa rica e bela. Nesse sentido, limitar a obra ao seu tema/contexto tabu, seria o mesmo que diminui-la, sob o espectro literário. Não há apologia à pedofilia, mas o relato de uma relação complexa que pode perturbar/incomodar. E tal relato representa um dos melhores livros já escritos e, incomodando ou não, é uma história liricamente bem contada.
Contudo, se devemos encarar "Elogio da madrasta" da mesma forma, não se pode dizer o mesmo em relação ao mérito literário. Sim, Llosa tem uma boa narrativa, alguns personagens bem complexos (Fonchito, por exemplo) e tal... mas falta ao escritor, pelo menos nessa obra específica, o lirismo e o desenvolvimento de personagens, que faça com o leitor se maravilhe pela beleza das palavras e/ou se importe com o destino dos envolvidos. O final da obra, que poderia soar instigante, acaba soando como abrupto, ao deixar perguntas que poderiam ter sido respondidas/melhor analisadas se o desenvolvimento tivesse sido mais apurado.
É um livro bom, pois Llosa conduz a narrativa de forma satisfatória, direta, tratando um tema polêmico de forma sincera. Perde contudo em detalhes narrativos desnecessários (defecação?), personagens que poderiam ter sido melhor trabalhados, dado que sua essência é parca devido ao tamanho pequeno do livro, não justificando certas atitudes. O contraste da malícia com a inocência é tratado, mas não tão bem trabalhado.
(LLOSA, Mario Vargas: tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht. Elogio da madrasta. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012, 101 páginas)
P.S.: Resenha escrita em 2017.