Em tempos de ameaça à Democracia e revisionismo histórico, poemas de resistência são necessários mas...
Livro "AI-5", uma antologia de cinco poetas brasileiros. Como o próprio nome sugere, o livro trata do período da Ditadura Militar ou, mais precisamente, o ano de 1968, quando foi promulgado o Ato Institucional número cinco (AI-5).
O AI-5 foi o pior dos decretos emitidos pela Ditadura Militar, tendo sido assinado pelo "presidente" Artur da Costa e Silva, em dezembro de 1968. Com ele, houve o aumento da repressão contra opositores, com a institucionalização da tortura, bem como o fortalecimento da censura.
A ideia para esse livro surgiu quando os autores se encontraram, por acaso, em abril de 2014, durante um evento sobre os 50 anos do Golpe Militar, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Inicialmente, eles pensaram em lançar o livro em 2018, quando seriam completados 50 anos do AI-5. Porém, a data foi antecipada para meados de 2016. O motivo: a iminência de um outro Golpe, político, contra a então presidente Dilma Rousseff. A não-aceitação do resultado equilibrado das Eleições de 2014, pelo candidato derrotado (Aécio Neves), somada à sabotagem do PMDB, liderada por Michel Temer (recentemente preso), que compunha a base governista, bem como alguns erros cometidos na Economia pela presidente. Esse quadro levou a um processo de impeachment, conduzido por corruptos, mesmo sem ela ter cometido crimes. O livro saiu e o Golpe também.
Sobre o livro em si, como dito, há poemas de cinco autores: Bilá Bernardes, Helenice Maria Reis Rocha, Irineu Baroni, Petrônio Souza Gonçalves e Rogério Salgado. Os poemas têm qualidade variada: alguns bons, outros nem tanto, como é de praxe em antologias independentes. Tanto a organização quanto a publicação ficou por conta dos próprios autores. Isso é bom por permitir a visibilidade de obras independentes. Por outro lado, falta aquela lapidação, aquele crivo, feito por algum editor e que chamaria a atenção para a fuga da temática principal (o AI-5) em detrimento de uma abordagem mais genérica ou excessivamente intimista, por vezes. Acaba que, numa antologia independente, você se veja obrigado a garimpar, procurando pedras preciosas ou, no presente caso, procurando a dor vivida, a palavra emudecida, o parente ou amigo que sumiu... Por se tratar de um livro relativamente curto, isso é uma falha.
Para valorizar a publicação, alguns convidados foram chamados. Christina Rodrigues assina um histórico e um poema sobre aqueles dias. Salva Silveira traça traz uma pesquisa com alguns dados interessantes, que fazem, inclusive, entender um pouco a apatia cultural e política da sociedade atual, que permitiu a ascensão de um presidente reconhecidamente fascista e criminoso, em 2018. Há também um depoimento, igualmente acrescido de um poema, da militante política Neuza Ladeira, que foi presa durante a Ditadura. O prefácio é assinado por Nilmário Miranda, conhecido político mineiro com atuação em questões ligadas aos direitos humanos.
Enfim, toda obra que visa promover a reflexão sobre a Ditadura Militar é bem-vinda. A antologia traz bons poemas e anexos. Entretanto, senti várias vezes uma certa fuga do tema que deveria ser o principal (o AI-5) e, consequentemente, uma fuga do impacto, ou seja, mostrar o quão violento e covarde foram aqueles dias de repressão.
Em tempos como os atuais, em que a Democracia é constantemente vilipendiada e o revisionismo histórico virou prática, poesias de resistência são necessárias, fundamentais. Contudo, quando os versos abrem feridas, sangram, gritam ou calam... o legado pode ser muito mais rico, mais duradouro.
(VÁRIOS: organização de Rogério Salgado. AI-5. Belo Horizonte: Baroni Edições, 2016, 1ª edição, 72 páginas)
P.S.: Resenha escrita em março de 2019.