Trilogia Comando Sul de Jeff VanderMeer

Alerta de spoilers: há revelações sobre o enredo dos três livros resenhados abaixo, que podem prejudicar sua experiência literária.

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PRIMEIRO VOLUME - ANIQUILAÇÃO

"Aniquilação" de Jeff VanderMeer: estranheza instigante

"Aniquilação", primeiro livro da trilogia "Comando Sul", escrito pelo estadunidense Jeff VanderMeer. Trata-se uma obra da chamada "New Weird", subgênero literário que unifica elementos do Horror, da Fantasia e da Ficção Científica, causando um certo estranhamento proposital no leitor.

Na história, em determinada região dos Estados Unidos, o Governo e as Forças Armadas criam uma divisão chamada "Comando Sul", cujo objetivo é investigar a Área X, um local, de surgimento súbito, isolado por terra e ar por forças incompreensíveis, e onde as leis da Natureza não funcionam como deveriam e que, para piorar, está se expandindo. Para investigar a Área X, o Comando Sul, de tempos em tempos, envia expedições que entram no local por meio do único acesso disponível (a "fronteira"). Porém, todas as expedições fracassam, sendo marcadas por acontecimentos violentos tais como assassinatos entre os integrantes e desaparecimentos. A obra se concentra na décima segunda expedição, composta por quatro mulheres: uma bióloga, uma psicóloga (a líder), uma topógrafa e uma antropóloga.

A narrativa é feita em primeira pessoa, através do diário deixado pela bióloga, cujo marido esteve na expedição anterior, na função de médico, sem nunca ter retornado. Na medida em que as mulheres vão adentrando a Área X fenômenos estranhos e assustadores vão ocorrendo...

Jeff VanderMeer cria toda uma aura de estranhamento somada ao mistério e horror crescentes, tornando isso a principal qualidade do livro. O relato e a premissa são interessantes, tendo esse medo do desconhecido como fio condutor, tornando a leitura fluída, em um livro relativamente pequeno.

Se há um ponto negativo, este se concentra na quantidade de pontos abertos a serem explorados. O livro não se preocupa em explicar os eventos. Por ser uma trilogia, tais pontos talvez sejam explicados nos livros seguintes. O mesmo se aplica ao final, que pede uma continuação.

Particularmente, tenho certo preconceito com trilogias, sejam elas cinematográficas ou literárias. Há exceções mas, quase sempre, o primeiro volume apresenta as premissas, o segundo é uma encheção de linguiça e o terceiro tenta resolver os pontos abertos no volume inicial, quase sempre decepcionando na expectativa criada. A impressão que fica é que tudo poderia ser resolvido num único volume, sem enrolações. Seria esse o caso aqui? Espero que não.

Enfim, "Aniquilação" é um livro interessante e instigante. Resta saber se os outros dois livros da trilogia seguem no mesmo patamar.

Nota: O livro foi adaptado para o cinema em tempos recentes, pela Netflix, em um ótimo filme. Contudo, ele difere bastante da obra escrita, o que denota que volumes posteriores da trilogia foram utilizados na adaptação. Em termos de qualidade narrativa, o filme é muito superior ao livro.

(VANDERMEER, Jeff: tradução de Braulio Tavares. Aniquilação. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014, (Trilogia Comando Sul, livro 1), 139 páginas)

P.S.: Resenha escrita em 2018.

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SEGUNDO VOLUME - AUTORIDADE

"Autoridade" de Jeff VanderMeer: enfadonho e mal desenvolvido

"Autoridade", segundo livro da trilogia "Comando Sul", escrito pelo estadunidense Jeff VanderMeer. Trata-se uma obra da chamada "New Weird", subgênero literário que unifica elementos do Horror, da Fantasia e da Ficção Científica, causando um certo estranhamento proposital no leitor.

Na história, após os acontecimentos ocorridos com a décima segunda expedição, o Governo envia para o Comando Sul um novo responsável, cujo pseudônimo é "Controle". Ele tem como objetivo investigar o desaparecimento da Psicóloga, entrevistar a Bióloga, que retornou da missão em condições estranhas, e, por fim, tentar decifrar a origem do fenômeno conhecido como "Área X".

Ao contrário do primeiro volume, a narração aqui é em terceira pessoa. E, da mesma forma, todas as qualidades que o primeiro volume tinham, aqui estão diminuídas ou até inexistentes em diversos momentos. Há o estranhamento e certo suspense, mas em quantidade tão tênue que, a leitura que deveria ser fluída (como em "Aniquilação") torna-se rapidamente enfadonha.

Além da narrativa pobre e desinteressante, os personagens acabam padecendo da falta de empatia do leitor. Controle é um personagem que se mostra covarde, egoísta e irresponsável, em diversos momentos. Deve ser por isso que os demais personagens não lidam bem com ele. Falta desenvolvimento dos personagens como, por exemplo, Grace e Witby, cujas atitudes são, por vezes, obscuras, não por mérito literário, mas por fraqueza da narrativa.

E, tal como disse na resenha de "Aniquilação". Esse livro evidencia mais um pouco minha tese que, em trilogias, o segundo volume costuma ser uma encheção de linguiça. "Autoridade" não agrega absolutamente nada ao primeiro volume. Trata-se de uma leitura chata, arrastada e mal desenvolvida, que só toma certo fôlego próximo de seu final, o que é muito pouco para mim.

(VANDERMEER, Jeff: tradução de Braulio Tavares. Autoridade. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2015, (Trilogia Comando Sul, livro 2), 253 páginas)

P.S.: Resenha escrita em 2018.

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TERCEIRO VOLUME - ACEITAÇÃO

"Aceitação" de Jeff VanderMeer: apesar das boas premissas, o terceiro volume evidencia uma trilogia decepcionante

"Aceitação", terceiro livro da trilogia "Comando Sul", escrito pelo estadunidense Jeff VanderMeer. Trata-se uma obra da chamada "New Weird", subgênero literário que unifica elementos do Horror, da Fantasia e da Ficção Científica, causando um certo estranhamento proposital no leitor.

Esse terceiro livro busca encerrar os arcos dos personagens criados nos dois volumes anteriores, bem como se propõe a responder às indagações geradas pela estranha trama.

Existem trilogias elogiadas na Ficção Científica como a "Trilogia Sprawl" de William Gibson e a "Trilogia Fundação" de Isaac Asimov. Contudo, na literatura contemporânea, uma crítica que muito se escuta é que, talvez, influenciados pelos sucessos de franquias como "Harry Potter", "Percy Jackson", etc., alguns escritores tem desenvolvido suas trilogias apenas visando o sucesso financeiro ou uma eventual possível adaptação para o cinema. Geralmente seguem uma estrutura onde o livro 1 apresenta as premissas e os personagens centrais, o livro 2 desenvolve um pouco mais a temática e os protagonistas e, concomitantemente, introduz alguns coadjuvantes, e o livro 3 encerra as premissas e finaliza os arcos narrativos. O problema é que, na prática, segundo alguns críticos, isso não acontece, sendo essa "Trilogia Comando Sul" um bom exemplo disso.

A trilogia de VanderMeer inicia com um livro movimentado, premissa curiosa e com uma personagem, a Bióloga, interessante. Já no segundo livro temos uma encheção infinita de linguiça, que torna a leitura uma das mais enfadonhas que tive na minha vida. Além disso, Controle é um dos personagens mais fracos que já vi num livro. Já o terceiro livro sofre com a expectativa criada no primeiro volume e com a quantidade grande de indagações geradas nos dois volumes anteriores. "Aceitação" falha em todos os sentidos sendo o retorno de parte da ambientação do primeiro livro e o ritmo mais acelerado os únicos fatores positivos da obra.

A impressão que fica é que essa trilogia poderia ter sido escrita em um único livro, de forma mais concisa, direta e sem tantos personagens coadjuvantes que apenas oneram a narrativa. Nas mãos de um autor talentoso como Arthur C. Clarke isso poderia ser possível. Fica a sensação de tempo desperdiçado, principalmente quando você ainda considera o final, totalmente decepcionante, não no sentido do desfecho em si, mas na tentativa patética de rebuscar uma narrativa que, se tivesse seguido na linha do primeiro volume, tanto em qualidade quanto em tempo, tinha potencial para virar uma referência no gênero. Para entender bem o que estou falando, vale a leitura de "Encontro com Rama", do citado Clarke, como comparação, que possui elementos similares (incluindo o final), mas que se desenvolve num ritmo cadenciado e tamanho plausível.

Enfim, com um livro 1 bom, passando por um livro 2 medíocre e um livro 3 regular, a trilogia "Comando Sul" se mostra irregular e, infelizmente, decepcionante.

(VANDERMEER, Jeff: tradução de Braulio Tavares. Aceitação. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2016, (Trilogia Comando Sul, livro 3), 368 páginas)

P.S.: Resenha escrita em 2018.

Manoel Frederico
Enviado por Manoel Frederico em 07/05/2019
Código do texto: T6641169
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