"Aforismos ou mensagens eternas": um olhar sobre a complexa personalidade de Oscar Wilde
"Aforismos ou mensagens eternas" do escritor irlandês, radicado na Inglaterra, Oscar Wilde. A presente edição (Ed. Landy, 2000) traz um texto introdutório de James Joyce, autor de "Ulisses". Trata-se de uma reunião de epigramas que traduzem bem o pensamento, muitas vezes polêmico, de Wilde. Eu já tinha lido três obras do autor anos atrás: o belo poema "A Balada do Cárcere de Reading", a genial e raivosa carta "De Profundis" e o triste e belo conto "O Rouxinol e a Rosa" (escrito para seus filhos). Contudo, embora seja uma amostra representativa do autor, é pouco para entender a influência e grandiosidade da literatura de Wilde. A leitura de suas peças e de seu único romance se faz necessária para mim. Enfim...
Wilde viveu durante a era vitoriana, marcada por certa prosperidade e tranquilidade no Reino Unido. Na sociedade, o que se via eram os chamados valores morais severos, o puritanismo em essência, com os homens assumindo um papel dominador tanto nas interações sociais quanto na vida privada, e às mulheres cabia o papel de submissão, dedicando-se ao lar e aos filhos.
É importante entender essa postura puritana da sociedade para entender Wilde. O escritor, ao longo da vida, tornou-se famoso e conhecido devido ao sucesso de seus textos. Entretanto, tinha uma postura transgressora, assumindo posturas e pensamentos considerados extravagantes. Por exemplo, mesmo tendo se casado com uma mulher chamada Constance Lloyd e tendo dois filhos com ela (Cyrill e Vyvyan), Wilde vivia mais em hotéis e festas do que em casa, mantendo relações amorosas extraconjugais, principalmente com rapazes da aristocracia inglesa. Wilde criticava a hipocrisia da sociedade que, mesmo pregando uma moralidade ilibada se dedicava aos prazeres e exageros que o autor, ao contrário dos demais, assumia publicamente.
Não se sabe ao certo em que momento da vida, Constance descobriu as traições do marido. O que se sabe era que ambos já viviam separados intimamente, principalmente após o nascimento dos filhos, mesmo dividindo o mesmo teto. Em seus aforismos, Wilde ataca severamente o casamento como instituição, considerando-o hipócrita, uma hipocrisia, baseada em mentiras/conivências/segredos, demonstrando para os outros uma felicidade que não se repetia entre quatro paredes. "É difícil não ser injusto com o que se ama", o autor escreveu. Referência à Constance? Sobre o casamento, entre várias mensagens, ele diz: "O casamento pode de fato destruir um homem! O casamento é muito mais desmoralizante que o cigarro, e bem mais caro". Uma postura complexa, de difícil análise, por ser um conflito claro entre ideais e responsabilidades/deveres. A leitura de suas frases sobre mulheres, se feita de forma superficial, podem levar a dedução de uma postura estritamente machista do autor, algo sujeito à questionamento, óbvio. O que se vê, nas frases, é uma crítica a certas posturas femininas, como reflexo da experiência pessoal fracassada de Wilde com o matrimônio, em boa parte.
Bom, essa citada busca pela ruptura com os valores vigentes, considerado-os hipócritas, deve ser sempre lembrada ao ler os pensamentos de Wilde. Sem essa compreensão, frases como a seguinte podem ser incompreendidas: "Eu gosto mais das pessoas do que dos princípios, e eu gosto das pessoas que não têm princípios mais do que qualquer outra coisa no mundo". Uma leitura descuidada poderia facilmente levar à dedução de que Wilde era imoral quando, na realidade, o autor buscava uma filosofia própria, aberta a ideias que poderiam influenciar a sociedade. Neste contexto, suas frases sobre Arte ganham um novo sentido pois Wilde pregava o Esteticismo, movimento artístico que defendia a busca e a valorização do "belo", em detrimento do sentimentalismo, numa ruptura (de certa forma, tardia *) ao Romantismo. À Arte não bastava apenas reproduzir a natureza das coisas, considerada crua. Cabia à Arte dar-lhe um novo sentido.
Em certa altura da vida, Wilde acabou se envolvendo amorosamente com um poeta chamado Bosie. Quando o romance se tornou público, o pai de Bosie, o Marquês de Queensberry, levou Wilde aos tribunais, visto que a homossexualidade era proibida por lei, reflexo do puritanismo. Um escândalo, noticiado nos jornais. Após três julgamentos, Wilde foi condenado a três anos de prisão, período que representou a ruína de suas posses e de sua reputação. Seu casamento também acabou, com Constance obrigando-o, por escrito, a abrir mão de seus direitos parentais, mudando-se posteriormente para a Holanda e mudando de sobrenome (para desvincular sua imagem da de Wilde). Bosie, que era poeta, também mudou o próprio estilo, para se desvincular de Wilde. Sentindo-se abandonado por Bosie, foi no cárcere que Wilde escreveu a já citada "Balada do Cárcere de Reading" e o "De Profundis", uma longa carta onde critica e condena a postura de seu ex-amante. Ao sair da prisão, poucos amigos o esperavam. Wilde passou a viver recluso, mudando de nome. Morreu jovem, sozinho e doente, aos 46 anos.
A condenação de Wilde é polêmica pois a sociedade que o condenou também se dedicava aos mesmos prazeres e posturas que ele. O que diferenciava a sociedade vitoriana de Wilde, como já expresso, é o fato de que Wilde assumia publicamente suas opiniões e atitudes. Isso acabou sendo sua ruína. É o que James Joyce deixa claro na introdução do livro: "As causas pelas quais o povo da Inglaterra condenou Wilde são muitos e muito complexas, porém não foi a simples reação de uma consciência pura".
A leitura de "Aforismos ou mensagens eternas" permite uma reflexão mais profunda do ser humano que foi Wilde, mais do que um aprofundamento na compreensão de sua herança literária que, até onde pude experimentar, é de uma qualidade ímpar. Wilde era como qualquer ser humano: complexo, com suas qualidades e defeitos (que ora classifica como pecados) e que, por mais que buscasse a transgressão da hipocrisia e do puritanismo vigente, também tinha anseio profundo pela aceitação, não apenas como escritor, mas como pessoa. Ele confessa: "A humanidade terá sempre afeição por Rousseau porque ele confessou seus pecados, não a um padre, mas ao mundo".
Como pessoa, Wilde, provavelmente, viveu no período errado da História, sendo suas ideias e posturas objetos das mais diferentes análises. Seus textos, cheios de ironia e sarcasmo, devem ser sempre analisados com todo o histórico biográfico em mente. Como escritor, por sua vez, Wilde foi genial e seus textos são dotados de um lirismo e uma qualidade ímpares.
( * ) NOTA: Pode-se dizer mais acertadamente que o Esteticismo era uma resposta ao Simbolismo que, por sua vez, criticava o Realismo (este, sustentado por uma crítica forte das características do Romantismo), buscando a revitalização do ideal romântico.
(WILDE, Oscar: introdução de James Joyce; tradução de Duda Machado. Aforismos ou mensagens eternas. São Paulo: Landy, 2000, 128 páginas)
P.S.: Resenha escrita em 2018.