"As procissões" e "A música" de Gibran Khalil Gibran: a sabedoria poética que veio do Oriente Médio

"As procissões / A música" do escritor libanês Gibran Khalil Gibran. Ambas as obras estão reunidas em um mesmo volume bilíngue (português e árabe) e são pertencentes ao início de sua carreira literária. Embora tenha escrito seus textos em árabe, sua língua materna, tornou-se conhecido mundialmente escrevendo em inglês.

Gibran é um dos raríssimos escritores religiosos cuja leitura eu recomendo. Numa época menos cética da minha vida, li dele, entre os anos de 2002 e 2003, os livros "O profeta" (sua obra-prima), "Asas partidas", "Areia e espuma", "O precursor" e "A voz do mestre". Mais tarde, em meados de 2007, li "Jesus, o filho do homem". O escritor teve sua espiritualidade moldada dentro da Igreja Maronita, do Líbano, país com a mais complexa diversidade religiosa do Oriente Médio.

As obras de Gibran constituem de uma prosa poética simples, extremamente rica em imagens belas, que apresentam muita sabedoria, por meio da valorização da interação entre as pessoas. Há um romantismo exacerbado que, talvez, possa soar piegas a alguns. Porém, você se acostuma com o passar das páginas. O presente livro não foge ao exemplo.

Em "As procissões", ao contrário de outras obras, Gibran escreve em forma de versos. Ele propõe, em cada parte da obra, dualidades (o bem e o mal, vida e sonho, justiça e castigo, moscas e águias, etc.). Em seguida, cada uma dessas dualidades são abordadas por dois personagens: o sábio e o jovem. A voz do sábio é a de um ancião que traz tudo aquilo que viu ao longo da vida, numa abordagem mais refletida. Já a voz do jovem é a de alguém que vive nos campos, que enxerga beleza ao redor de si, sendo carregada de otimismo e, naturalmente, de imaturidade.

É a partir da comparação entre as duas posições que o leitor busca sua própria posição diante das dualidades poéticas apresentadas. De certa maneira, esse livro, tal como dito na sua apresentação (assinada por Mansour Challita, que também fez a tradução do árabe) serve como uma base introdutória para os temas que Gibran solidificaria, anos mais tarde, em sua obra-prima "O profeta". As "dualidades" se converteriam em "unidade".

"A música", segunda obra do livro, é o primeiro escrito de Gibran. Pequeno em tamanho, ele aborda, numa linguagem muito poética e simples, o papel desempenhado pela música na vida das pessoas. Ele considera essa arte a "linguagem da alma" e explora o impacto dela nas emoções humanas. Num segundo momento, ele aborda superficialmente a influência da música em diferentes povos, ao longo da História.

Gibran dedica parte da obra à uma exposição de diferentes tipos de música comuns no Líbano, alguns destes se estendendo a outras regiões do Oriente Médio e do Saara. Ele escreve sobre o nahauand, o asfahan, o rasd e o saba. Encerra a obra num tom de oração de gratidão à arte.

As obras de Gibran permitem um contato interessante com alguns valores humanos, explanados com poesia, num tom sereno, bem diferente do tóxico fundamentalismo religioso.

(GIBRAN, Gibran Khalil: apresentação e tradução de Mansour Challita. As procissões / A música. Rio de Janeiro: Associação Cultural Internacional Gibran, 1975, 103 páginas)

P.S.: Resenha escrita em março de 2019.

Manoel Frederico
Enviado por Manoel Frederico em 18/04/2019
Reeditado em 20/04/2019
Código do texto: T6626450
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