"A costureira de Dachau" de Mary Chamberlain: quando uma personagem principal antipática limita o prazer literário de uma obra com boa premissa
"A costureira de Dachau" da escritora e historiadora britânica Mary Chamberlain. A obra traz a história de Ada Vaughn, uma jovem e talentosa costureira, que trabalha em um modesto ateliê, com o sonho de se tornar uma estilista famosa. Com o trabalho, ela ajuda no sustento da casa, onde vive com os pais e irmãos mais novos. Prestes a eclodir a Segunda Guerra Mundial, Ada conhece um homem por quem se apaixona, mesmo sem conhecer muito da vida do sujeito. Ela resolve viajar escondida com ele para Paris e, a partir daí, a guerra e a mudança do comportamento de seu companheiro a colocarão em situações complicadas.
O livro possui algumas limitações. A principal delas é o desenvolvimento da personagem principal. O excesso de ingenuidade de Ada incomodam muito a leitura. Sim, reconheço que existem pessoas ingênuas e que não aprendem com os próprios erros. Contudo, nesse caso, beira ao inverossímil. Tal característica prejudica o processo de geração de empatia pela personagem principal. Essa ingenuidade, inclusive, irá influenciar, diretamente, certas decisões de roteiro que mudaram o foco da história, de um 'romance histórico' para, em determinado momento, 'história de tribunal'.
Não me soa como demérito, contudo, tais alterações de foco de narrativa. Digo isso pois o principal ponto positivo da obra é ressaltado nessas alternâncias: a misoginia. Por ser historiadora a autora soa como plausível as situações vividas por Ada, principalmente na região alemã de Dachau, onde ela interage com membros da aristocracia nazista. Em Dachau funcionou um dos campos de concentração daquele período (o primeiro construído por Adolf Hitler), onde teriam sido aprisionados mais de 188 mil pessoas, tendo sido mortos mais de 30 mil (números nazistas - na realidade, pode ter sido mais).
Pode-se afirmar que o principal tema que permeia toda a narrativa é a misoginia, característica da sociedade europeia durante as décadas de 30 e 40. Isso se mostra claro em diversos momentos da história. Entretanto, perde-se a oportunidade da personagem principal assumir uma postura mais "moderna" e/ou "feminista", por exemplo, quando ela se defronta com a prostituição. Mesmo aqui, a constante é a ingenuidade de Ada, que persiste com o passar dos anos, mesmo tendo sofrido horrores, o inclui a perda de um filho.
É possível que Mary Chamberlain tenha construído sua personagem para nos mostrar que a guerra pode ser implacável com pessoas ingênuas e puras. Talvez, para a autora, a resiliência seja a qualidade principal da personagem. Entretanto, o que se vê é uma ingenuidade totalmente passiva e que destrói, completamente, a dignidade. A incapacidade de aprender com os próprios erros dificulta a conquista de empatia pela personagem e faz com que, seu destino, pós-julgamento, soe crível, embora desumano em essência.
Não fica claro para o leitor se a autora falhou em gerar empatia ou se a personagem Ada foi desenvolvida de forma crua, sem essa preocupação. Se fosse a segunda opção, talvez, minha nota fosse melhor... mas isso não fica claro para mim. No final, Ada ate soa um "grito de revolta", silenciados por um juiz impassível... mas é tarde, tanto para a personagem, quanto para a autora, numa possível tentativa de tornar a personagem menos passiva.
O livro se mostra interessante ao abordar a disparidade entre a rotina da elite nazista, em concomitância com os horrores que ocorriam em Dachau. Mas isso fica numa camada superficial, com um aprofundamento na personagem principal, que se mostra, como dito, ingênua, imatura, passiva e incapaz de aprender com o sofrimento, diante de um período tão terrível da história. Com uma personagem cativante, o livro talvez ganhasse em prazer literário. Desconsiderando-se essa empatia, soa como um relato frio, não gerando muitas reflexões pós-leitura, ainda que premissas interessantes sejam levantadas durante a obra.
(CHAMBERLAIN, Mary: tradução de Alyne Azuma. A costureira de Dachau. Rio de Janeiro: Agir, 2015, 1ª edição, 288 páginas)
P.S.: Resenha escrita em 2018.